ACÇÃO-DESENHO (Paulo Luís Almeida)
Instrução para acção (1): Manuel Duarte
Qual o peso e o volume de um sopro? De um alento? De um suspiro?
A pergunta surge sem a urgência de uma resposta, como se a mesma matéria da respiração tivesse pesos e volumes diferentes de acordo com a palavra que a nomeia: um sopro deve ser mais pesado que um alento. Um alento menos volumoso que um suspiro e quase sem peso.
Consigo encher, com um só sopro, um pequeno saco. A matéria do sopro é também água, misturada com a respiração. Nunca a respiração foi tão perigosa como nos dias que correm. Como se aquilo que nos mantém vivos fosse fatal para os outros.
A instrução pediu-me água. A água da respiração não chegava para o tempo da acção.
O meu sopro caberia num saco. Se tivesse tempo, seria um saco cheio de água.
A aceitação da instrução: tentar derretê-la com o calor da respiração, sem utensílio. Como se a respiração se transformasse em balão de fala, em vapor congelado.
Uma pequena violação à instrução: sentir a água antes da poça de água se formar. Representar a água é sempre um problema. Representamos a água quando a bebemos, quando mergulhámos e saltamos em poças de água na rua.
Quis moldar a forma do gelo aos meus pés. Há um momento em que ambos - pés e gelo - se fundem.
Voltei à instrução: Recuperar a água usada. Devolvê-la ao corpo, como se o tempo fosse circular.
Toda a instrução comporta a aceitação de um certo hibridismo. Parte do trabalho somos nós. Parte do trabalho é o outro. É uma linguagem feita de alteridades que não inventamos, mas habitamos em parte.
(Paulo Luis Almeida)
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Instrução para desenho (2): Manuel Duarte
Página 12 da secção de Economia do jornal Expresso de 18 de Abril de 2020.
A imagem ilustra uma notícia sobre o impacto da pandemia de Covid 19 na gestão dos bancos. A relação de ambas as figuras com as suas mãos - um puro acaso - é um micro tema de toda a situação.
Tenho vindo a identificar os gestos que nós perdemos. Todas as décadas perdemos gestos sem dar conta disso. Muitos gestos se perderam nos últimos meses. Reencenar os gestos é uma forma de os fazer migrar ao longo da história. A posição das minhas mãos como se fosse vista do ângulo de cada uma das figuras: a mão esquerda para a figura da esquerda, a mão direita para figura da direita.
Esta pequena acção violou o código da instrução. Mas não teria sido possível sem este enunciado.
Os próximos desenhos são construidos a partir das imagens das páginas 12 e 23 de outra publicação. Uma revista de atualidade política com alguns anos.
Um mulher sozinha diante de um estrada vazia; uma fotografia de reportagem sobre o aumento de portagens; uma corrida de motos num circuito não identificado.
As três imagens foram o pretexto para notas de outras acções, a retomar mais tarde. Por agora, são apenas desenhos protocolares.