30.6.20

toca o meu silêncio com os teus lábios | oração portátil





tinta da china sobre papel mixed media 300 g | 10,5 x 15 cm



cosméticos sobre papel mixed media 300 g | 10,5 x 15 cm



marcador e pastel de óleo sobre papel mixed media 300 g | 10,5 x 15 cm



tinta acrílica sobre banco de jardim | Vila do Conde



tinta acrílica sobre papel mixed media 300 g | 10,5 x 15 cm | Vila do Conde



estudo para o Kit de envio, envelopes selados e postais




O corpo contemporâneo, numa vertiginosa ascensão, tem-se transformado, em função das condições do espaço que o envolve. Um espaço compreendido entre uma esfera social, que cada vez mais ganha terreno, e uma esfera íntima, que imprudentemente se perde. Gilles Lipovetsky, a este novo período, designa-o como: “mutação antropológica”[1]. Este acontecimento sem precedentes, é caracterizado, essencialmente, por um indivíduo onde a condição de ser foi marginalizada pela excelência de uma condição de estar. Este é o corpo contemporâneo “inventado”[2], em função de uma sociedade focada no consumo exacerbado. Um corpo individualista, sem uso, limpo de marcas e de significado, que assim se despe e se torna cada vez mais vazio.
Oração Portátil, ambiciona dar voz a um interior através do ato de escrever sobre a pele de corpos, preenchê-los com sinais e marcas. A estes sinais distintos, cunhados por uma existência de ser, Nancy designa-os como escrita. Deste modo, os corpos escritos são “preciosos”[3], são corpos que se podem tocar e tornam-se escassos num mundo moderno de abundância.
O convite, feito através do envio por correio de um “Kit”, é composto por um postal, pela instrução e um envelope selado para o reenvio postal (apenas com a indicação do destinatário). A sua devolução, pretende ser anónima e o único registo pedido (na instrução) é o cartão usado no corpo contendo as marcas do processo.
O vazio do espaço das letras aberto em stencil, pretende convidar ao exercício de desenhar sinais nos corpos de quem as recebe. Embora efémeros, estes sinais permitem uma confrontação e uma dialética que se pressupõe diferente das rotinas diárias. Dentro desta dimensão, o negativo do vazio das palavras torna o corpo positivo, através do ato de desenhar.
Um dos postais foi reservado para realizar a ação na rua, fora da esfera íntima. Na vez da pele do corpo, foi utilizado o espaço público, um espaço poroso, plural e em constante mutação.
Os resultados, entendidos como uma segunda pele de corpos que se entregaram ao exercício e contribuíram para o projeto, serão exibidos numa exposição final. O projeto procura suscitar uma reflexão em oposição às experiências instantâneas e acrescentar crítica aos cânones assimilados de uma forma quase cega.



[1]  Lipovetsky, Gilles. 2018. A Era Do Vazio. Lisboa: Edições 70, p. 82.
[2]  Nancy, Jean-Luc. 2000. Corpus. Lisboa: Vega, p. 6.
[3]  Ibidem, p. 12.