20.12.14

ANA MARGARIDA SOUSA_ TRANSFERÊNCIA-ACTO-IMAGEM


A transferência do acto para a imagem, o desenho como documento, espectro e rumor calculado



















(...)
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como uma Natureza tropical
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força.
(...)
Álvaro de Campos, Ode Triunfal, 1914.

O ponto de partida deste trabalho está na escolha de um espaço da faculdade, neste caso uma prensa litográfica em desuso que se encontra na entrada do pavilhão de tecnologias, onde se reinventou este mesmo ao nível das suas acções, fábulas e  funções.
O desenho é usado enquanto uma motivação e uma estratégia para a criação de um arquivo e documento como um «suplemento da acção». A criação deste arquivo/documento referente à acção simulada teve como base o sistema de transcrições de Bernard Tschumi usado em Manhattan Transcripts (1994), que transcreve e reproduz a translação pela sobreposição entre a cartografia e a coreografia, a representação do performativo e a notação do movimento e do espaço como evento

Esta acção pretendeu documentar a actividade de uma máquina - prensa litográfica e, reconstruir e descrever todo o processo de transformação. Para tal, partiu-se da ideia da invenção das máquinas hidráulicas e dos relógios de água descritos no livro IX dos X Livros do Tratado de Arquitectura de Vitrúvio (arquitecto e engenheiro romano do séc. I a.C.), onde este afirma que Ctesíbio (mecânico do séc.III a.C.) foi o primeiro a usar as máquinas hidráulicas ao perceber-se de que se produziam sons e notas musicais a partir das pancadas das compressões do ar,além de que estes materiais não sofriam erosão pela água nem permitiam que a sujidade se acumulasse de forma a obturar o orifício. 
Toda a prensa funciona com o fluxo da água, pelo princípio da técnica da litografia que se baseia na incompatibilidade entre duas substâncias que são a gordura e a água. Este  fluxo é regulado pelo ajustamento das estações, ou seja, no Verão temos dias longos e um fluxo fraco para uma maior actividade ao longo do dia, enquanto que no Inverno os dias são pequenos, existe uma menor actividade, como tal, é necessário um fluxo forte.
Os relógios de água funcionam com a ajuda da água através da força do ar natural e da pneumática, onde é necessário fixar um tubo de madeira sob uma prancha e aqui colocar uns cardeais para passar pelo tubo um fio até ao ângulo de uma parede e nele dispor pequenos tubos, baixar por dentro destes, pendurada no fio, uma esfera de chumbo que corre para baixo e para cima ao longo da estreiteza dos tubos, aumentando a densidade do ar, expulsando-o para fora através da pressão, mediante a veemente queda da esfera na estreita garganta. Estes relógios são constituídos por uma coluna que gira continuamente de forma a indicar a diminuição ou o crescimento dos meses, dos dias e das horas, as linhas das horas  que se encontra nesta coluna são marcadas em todo o correr do dia e as torneiras das águas permitem o controlo dos dias e dos meses e, quanto menor é rapidez da corrente que faz seguir a água para o recipiente tanto maior são os tempos das horas. 

O desenho aqui resulta como um testemunho, foram feitos para parecer que a acção foi realizada num determinado lugar e tempo do acontecimento. É um testemunho, uma afirmação de uma experiência fictícia, conecta-nos com aquilo que não podemos assistir presencialmente. "Mas significa mais do que  uma simples narrativa das coisas vistas". RICOEUR, Paul La Mémoire, L'histoire, L'oubli.Paris: Seuil, 2003.