20.12.14

Desenho como documento, espectro e rumor calculado - Joana Patrão

O corpo imóvel tem uma carga de mistério que o corpo em movimento não consegue ter. Na imobilidade há a possibilidade de todos os movimentos, há uma concentração do pensamento, mas de pensamento escondido, não revelado.

Gonçalo M.Tavares, Atlas do Corpo e da Imaginação, p.211


A ação desenvolvida parte da ideia de imobilidade acima descrita pensando nas relações possíveis com o espaço escolhido. A decisão de permanecer imóvel num espaço de passagem funciona não só como perturbador das suas funções mas fundamentalmente como uma tentativa de posse, uma invasão que se efetiva através da permanência (40 min. com interrupções).  
Tendo a noção que a imobilidade não seria absoluta, mas alvo de pequenas cedências do corpo, procurou-se um modo de as documentar durante a ação. Assim, substituiu-se o olhar por uma câmara (anexa ao corpo, sobreposta aos olhos) - o vídeo que resulta regista os tremores do corpo já que estes influem na imagem que é vista (ver vídeo). Partindo deste documento foi possível registar os ‘movimentos’ do corpo - desenho coreográfico - recorrendo a um método de tradução que permite que a ação seja repetida ou lida de outra forma: cada letra, aqui atribuída a uma linha (vibração) pode corresponder a um intérprete (imagem 4).         
Durante a ação procurou-se ainda registar a permanência no espaço - colocou-se uma folha no chão que permitiu, a partir da pressão do corpo e da sua duração, revelar marcas do espaço. O documento resultante (imagem 10 e 11) funciona como comissura (Kristine Stiles) uma vez que torna visível uma ação que só é percetível no modo como altera o objeto. Funciona ainda como levantamento do espaço, como mapa.
A ação teve ainda um segundo momento - o olhar deixa de ter como propósito a contemplação do muro voltando-se para o espaço interior onde se movimentam as pessoas, reforça-se aqui o confronto, a câmara mantém-se anexa ao corpo permitindo, ‘observar o observador observado’ (William S.Burroughs). Apesar de se ter acabado por desenvolver o trabalho em torno do primeiro momento, foi feito o levantamento do fluxo de movimentos (imagem 12).

O exercício desenvolvido procurou então perceber em que medida a documentação poderia ser um modo de fazer ver camadas contidas na ação que não são percebidas no imediato mas através da ‘destilação da experiência’ (Richard Long), ou ainda através de documentos produzidos no seu decurso.