O
corpo imóvel tem uma carga de mistério que o corpo em movimento não consegue
ter. Na imobilidade há a possibilidade de todos os movimentos, há uma concentração
do pensamento, mas de pensamento escondido, não revelado.
Gonçalo M.Tavares, Atlas do Corpo e da Imaginação, p.211
A
ação desenvolvida parte da ideia de imobilidade acima descrita pensando nas
relações possíveis com o espaço escolhido. A decisão de permanecer imóvel num
espaço de passagem funciona não só como perturbador das suas funções mas
fundamentalmente como uma tentativa de posse, uma invasão que se efetiva
através da permanência (40 min. com interrupções).
Tendo
a noção que a imobilidade não seria absoluta, mas alvo de pequenas cedências do
corpo, procurou-se um modo de as documentar durante a ação. Assim, substituiu-se
o olhar por uma câmara (anexa ao corpo, sobreposta aos olhos) - o vídeo que
resulta regista os tremores do corpo já que estes influem na imagem que é vista
(ver vídeo). Partindo deste documento foi possível registar os ‘movimentos’ do
corpo - desenho coreográfico - recorrendo a um método de tradução que permite
que a ação seja repetida ou lida de outra forma: cada letra, aqui atribuída a
uma linha (vibração) pode corresponder a um intérprete (imagem 4).
Durante
a ação procurou-se ainda registar a permanência no espaço - colocou-se uma
folha no chão que permitiu, a partir da pressão do corpo e da sua duração, revelar
marcas do espaço. O documento resultante (imagem 10 e 11)
funciona como comissura (Kristine Stiles) uma vez que torna visível uma ação
que só é percetível no modo como altera o objeto. Funciona ainda como levantamento
do espaço, como mapa.
A
ação teve ainda um segundo momento - o olhar deixa de ter como propósito a
contemplação do muro voltando-se para o espaço interior onde se movimentam as
pessoas, reforça-se aqui o confronto, a câmara mantém-se anexa ao corpo
permitindo, ‘observar o observador observado’ (William S.Burroughs). Apesar de
se ter acabado por desenvolver o trabalho em torno do primeiro momento, foi
feito o levantamento do fluxo de movimentos (imagem 12).
O
exercício desenvolvido procurou então perceber em que medida a documentação poderia
ser um modo de fazer ver camadas contidas na ação que não são percebidas no imediato
mas através da ‘destilação da experiência’ (Richard Long), ou ainda através de documentos
produzidos no seu decurso.