7.12.14

Desenho de Instrução - Joana Patrão

(1)    Instrução para a realização de um desenho, ou de uma série de desenhos – realizada por Marta Belkot



A instrução aqui apresentada parte do deslocamento de uma prática já utilizada no trabalho pessoal.
Pretendeu-se jogar com duas aceções do termo protocolo: a condição de fixação de um modelo de atuação e o carácter proto-performativo, na instigação a uma ação.
Partindo inicialmente de um convite à escolha do motivo de desenho e do suporte, sugere-se a substituição de um desenho do espaço por uma plantação do desenho no espaço. Procura-se descrever de um modo simples o procedimento a seguir aquando do desenho a partir do natural: 5 passos escritos são acompanhados de desenhos explicativos das condições a assegurar.  
A instrução convoca ainda uma dimensão metafórica na assunção do desenho como uma planta – como algo que brota da natureza. Assim o seu carácter de instrução cruza-se com o seu poder imaginativo.
Numa procura da perceção da capacidade de desenho da natureza, instrui-se um modo possível de oferecimento de uma folha em branco à natureza. É um desenho que se estende temporalmente, permitindo a observação do comportamento da natureza sobre ele – é dada a opção de regar o desenho (como uma planta) influindo no processo ou de um afastamento que ‘espera pela chuva’. O desenho assume-se aqui como um evento.

O deslocamento de um procedimento já utilizado assume-se como motivo de interesse já que permite a abertura da possibilidade do espectador à experiência de ‘fazer’ o desenho e a consequente possibilidade de comparar resultados. A questão da autoria pode surgir aqui ainda que neste caso colocada de modo diferente. Ora, se se pretende a criação de condições para que uma imagem natural se forme, a autoria estaria imputada à natureza.
Há, contudo, a assunção desta instrução como deslocamento de uma experiência – experiência do oferecimento à natureza, da expectativa pelo desenho devolvido – que só pode funcionar se o local for escolhido por quem ‘faz’ o desenho.

Ao contrário de outras experiências nas quais se havia baseado o desenho, o resultado que foi obtido é um desenho invisível, que conta apenas com alterações no suporte. É assim possível perceber de que, ainda que contando com o afastamento do criador das condições, este acaba por ter influência na imagem final: imagem pode ou não surgir dependendo do modo como se apresenta à natureza.




(2)  Instrução para a realização de uma ação


a. Parede-paisagem







Se olhares para uma parede velha coberta com sujidade (…) serás capaz de descobrir uma série de coisas como paisagens, (…) nuvens, comportamentos incomuns (…) Fora da massa confusa de objetos, a mente será provida de uma abundância de desenhos e assuntos perfeitamente novos.
Leonardo da Vinci, ‘Teatrise in painting’ in
Alexander Cozens, A new method on drawing landscape, p.6


A instrução para a realização de uma ação aqui apresentada prende-se não com a efetivação de um gesto (que aqui é praticamente invisível) mas com a perceção retirada. Há uma necessidade vivencial presente no enunciado. Tendo em conta este lado subjetivo o desenho utilizado é apenas explicativo da mecânica do exercício – da proximidade e do movimento ocular.  
Citado supra, da Vinci apresenta-nos o que o próprio define como um ‘novo método para a assistência à invenção’, apoiando-o numa remoção da ‘massa confusa de objetos’ e no olhar para o plano da parede. Este método pode ser associado à vontade expressa por Yoko Ono de ‘criar experiências sensoriais isoladas de outras experiências sensoriais’ através da remoção da ‘complexidade da vida’.
Deste modo, pretendeu-se propiciar um momento de paragem - uma paragem para a observação. A aproximação é feita inicialmente por um reconhecimento – da parede como potencial paisagem – havendo uma posterior alteração do olhar.
É pedido que o exercício se estenda até ao olhar se cansar, fazendo com que a experiência termine quando já não somos capazes de ver mais. Assim a existência desta ‘paisagem’ é esgotada pelo exercício da visão.
Quando se instrui o desenho de uma linha do horizonte através da amplitude da máxima do olhar, pretende-se criar uma ideia temporal de percurso e uma desfocagem que a coloca no campo da impressão. É neste sentido que é pedido o registo das paisagens vistas (no modo de registo seria decido por quem vê), simultaneamente para as fixar e para as tornar visíveis para outros. A dificuldade de tradução do que é visto resulta em dois desenhos que, contrariamente do que se esperava ao definir a instrução (associações a tipos de paisagens), são registos dos movimentos oculares e do único ponto que se mantinha presente.   
Este desvio do enunciado permite questionar até que ponto é possível prever o espaço que se abriu. Tendo como ponto assente a importância do carácter vivencial, estes desvios assumem-se como desvios da expectativa mas não da instrução devendo assim ser assumidos como parte integrante do trabalho.
Estabelecendo uma relação com um dos exercícios anteriores de transferência-de-uso – a parede utilizada como referente, a definição da linha do horizonte – opera-se aqui um deslocamento diferente: em vez de se deslocar a o olhar para o toque desloca-se o olhar para o olhar de outro. Aqui o ‘observador’ altera a função, passa a uma função participativa ainda que baseada na observação.
Gonçalo M. Tavares define o olhar imaginativo como um olhar que se quer espantar, um olhar que volta a olhar para algo não para ver igual mas porque se quer ‘espantar de novo’. É isto que acontece nesta instrução, ainda que a visão que se quer diferente seja dada pelo olhar de outro.


b. Ouvir uma folha


(Instrução criada como suplemento à anterior)








A ação que aqui se instrui surge numa relação íntima com o desenho ainda que este não se assuma como o resultado último da ação mas como registo processual.
Pretendeu-se com esta instrução alterar o modo de relação com um espaço, partindo do campo delimitado de uma folha. A folha seria o suporte através do qual se experiencia o espaço e o local de registo desta experiência.
Ao se deitar na folha a perceção do som altera-se, intensificando-se o seu alcance e variação, resultado da alteração da propagação do som. A instrução alerta num primeiro momento para este facto, pedindo num segundo momento que estas sejam registadas. O registo parte de uma ideia de ressonância, as ondas que se propagam para o exterior do executante, a própria imagem do seu rosto que se torna modelo para esta propagação.
Há ainda uma associação possível a uma representação de ondas sonoras com as ondas do mar. A ideia do prolongamento do contorno do corpo, do limite entre o interior e o exterior que vai sofrendo alterações através de estímulos do ambiente envolvente e que se torna paisagem.

A estratégia utilizada para o desenho é semelhante à anterior – o recurso ao pictograma para tornar possível uma identificação a pessoa que é abordada. Há ainda uma associação deste ao carácter poético dos enunciados.