6.12.14

Tiago Madaleno



(1) Instrução para realização de um desenho, ou uma série de desenhos (a ser realizada durante a semana após o seminário)


Esta instrução parte de uma ideia-base: procurar fazer com que o desenho fosse utilizado, que servisse como parte integrante da ação por ele indicado, que fosse consumido, rasgado do seu suporte no final. Realizei então esse desenho na parte de trás de uma pintura que utilizada como “frame”, delimitava uma área específica do real onde iria acontecer a plantação de um girassol. 
A ideia surge de um contexto de Projeto onde estou a pensar sobre a produção de uma imagem que possuísse uma escala tão grande que a sua visualização presencial nunca seria possível. Em cada um dos pontos da imagem iriam ser colocados girassóis que não só serviriam como “bandeiras” (assinalando o posicionamento da imagem) como, tirando partido da sua obediência solar, o facto de seguirem o sol, eles indicariam o posicionamento das demais plantações (futuras), projetando uma linha da possível viagem/próxima plantação. 
(criar linhas no espaço quase ao jeito das grandes investidas levadas a cabo para a tentativa de implementação do telegrafo, por exemplo)
O desenho instruía então à plantação de um girassol, dando indicações de como produzir a imagem, fornecendo os ingredientes, e os procedimentos (colocar a tela na terra, perceber o posicionamento do sol em relação ao eixo, apurar coordenadas, rasgar a tela, colocar a semente, seguir o crescimento e a projeção solar,…). Pensando sobre a produção de uma imagem, instituindo um processo ritualizado que envolva o corpo com o objeto pintura assim como com a terra e o ambiente que a envolve. No final, possibilitava a continuação da projeção dessa linha no espaço, continuando possíveis plantações, possíveis desenhos, relegando a oportunidade de que quem viesse a realizar a ação pudesse assumir as suas próprias ideias dentro do jogo, infinitamente. Num esforço coletivo para construir uma imagem não visível.


(2) Instrução para a realização de outra ação (que não um desenho), a ser executada no espaço da faculdade, durante o seminário.






(2 - a) 

Descrição do desenho

Serão necessárias três pessoas. A primeira encherá a boca com água e colocará uma escada nos ombros. Nas extremidades da escada, duas pessoas, uma de cada lado, devem tentar aquecer as pontas, de maneira que a temperatura se mova pelo metal até à outra extremidade. O elemento central deve confirmar a existência de comunicação, verificando a temperatura: ao sentir o aumento de calor deve expelir a água que tem na boca para cima, como uma chaleira. Com o finalizar da ação podem trocar de posições e reiniciar o processo para voltar a tentar comunicar.

Apesar do absurdo da situação há vários fatores de análise: a existência de um processo comunicativo ancorado na partilha de um elemento sensitivo, físico – transmissão de calor, e não necessariamente verbal; mas também, uma relação com o trabalho de Bruce Nauman, “Self Portrait as a Fountain”, seguindo a mesma vertente irónica em relação ao papel do artista, reduzindo-o a um objeto que cumpre uma função. O elemento central, pensado como a figura do artista, apresenta-se como uma espécie de mediador de todo o processo comunicativo (ao assinalar a sua concretização com uma ação simbólica: o expelir de água) mas, na verdade, não possui qualquer papel de autoridade. Ele não só se apresenta numa posição condicionada (figura do herói modernista, que se sujeita a uma tarefa perigosa por um bem maior – a comunicação), como a sua ação para além de inútil (poderiam comunicar verbalmente) não é mais do que um reagir a um estímulo, que não é nem espiritual, nem racional, nem emocional, somente físico, da ordem dos sentidos.
Há também uma dimensão sádica na realização deste desenho de instrução. Talvez sabendo que o desenho seria para outrem cumprir me tenha conduzido a brincar com esta ideia de autoridade impositiva: fazer um desenho para conduzir alguém a fazer algo que provavelmente não quererá fazer, por várias razões, sendo uma delas a possibilidade de dor física. Ou seja se por um lado, o desenho é algo rígido, todos tem papeis e funções específicas, por outro lado há desde logo uma consciência da ineficácia do processo de convencimento, da falibilidade da realização da ação. Remetendo para um performativo infeliz, para uma dimensão do jogo mental, da projeção e identificação do “espetador” com aquela situação potencial.






texto presente no desenho 


(como traçar um quadrado)


Marca-se com fita-cola uma, duas, três, quatro linhas –
Numa janela.
A luz invade a janela projetando o quadrado no solo.
Mas o quadrado já não é o quadrado.
É outra coisa transformada durante a projeção.
Um trapézio? Outra coisa.
Um quadrângulo? Outra coisa.

Desafio: refazer o quadrado tido anteriormente utilizando como ferramenta um espelho.

(2 - b)

“Para que a etnologia viva é preciso que o seu objeto morra, o qual se vinga morrendo por ter sido “descoberto” e desafia com a sua morte a ciência que o quer apreender (…) Em todo o caso, a evolução lógica de uma ciência é de se distanciar cada vez mais do seu objeto até passar sem ele…"
Retirado de “Simulacro e Simulações” de Jean Baudrillard, pág. 15

Este exercício consistia na tentativa de devolução de uma projeção luminosa de um quadrado (que ao ser projetado se transforma num quadrângulo, trapézio,…) à sua forma original, utilizando como ferramenta um espelho. A ideia para este exercício surgiu após a leitura daquele excerto, em que é abordado o desenvolvimento metodológico da ciência, que de maneira a estudar verdadeiramente um objeto (visando apurar verdades) se vai progressivamente afastando, até passar sem ele completamente. Conduzia-o à morte pela intromissão do método e ressuscitava-o pelo simulacro, devolvendo-o ao real enquanto substituição.
Este exercício seguia esta ideia: Procurar compreender uma forma utilizando para isso um dispositivo – um espelho – que tentaria recuperar a forma original transformada pela projeção luminosa, através do simulacro. No entanto, não correu como eu havia idealizado.

Este exercício, que já o havia experimentado em casa, possuía uma impossibilidade logística de concretização que se constituía como parte simbólica. Quando o havia feito em casa havia utilizado luz solar e não luz projetada (o que pode ter influenciado. A luz natural obrigava a um ritual de reformulação/ajuste que impunha outra dinâmica.); mas o que havia compreendido com a experiência era que a devolução do quadrado à sua forma original só se verificava aquando da coincidência da projeção com o desenho do quadrado no vidro. A sobreposição não equivale a domínio/controlo mas a repetição, coincidência.