No âmbito do Seminário 2: Transferência-Imagem-Acto, criei duas instruções: uma relativa a uma acção, e uma relativa a um desenho, ambas escritas a grafite sobre duas folhas A4 de papel de engenharia.
A instrução relativa à acção partiu de um tema que tenho vindo a tratar, que é estudado nos Yoga Sûtras de Patanjali, e que José Gil aborda no texto O intervalo absoluto. Beuys.: a "textura do tempo"(Gil, p.198). O propósito da minha instrução foi proporcionar a possibilidade de uma paragem, através do abrandar do ritmo e da consequente vivência do presente.
"este desfazamento em relação aos relógios objectivos conduz a um «ajustamento para consigo.»" (Gil, p.198) e foi ao encontro desta ideia que procurei ir: usando o enunciado de criar uma instrução para uma ação, procurei que a minha instrução não gerasse acção de qualquer espécie, e sim uma paragem efectiva, da qual poderiam surgir, em segundo plano, registos de qualquer espécie.
A Gabriela, depois de ler durante algum tempo o enunciado, cruzou as pernas e passou alguns momentos a fazer respiração abdominal; permaneceu em silêncio algum tempo. Depois começou, lenta e delicadamente, a dobrar a folha várias vezes a meio, até ficar com uma tira estreita e longa. Voltou a dobrar esta tira a meio, as vezes que conseguiu, e usou uma caneta para descrever uma linha que atravessou a folha (o tempo) dobrado. Explicou-me que se tratava de uma reflexão sobre a irreal concepção linear que temos do conceito "tempo".
O segundo enunciado tinha como propósito a realização de um desenho. Reflectindo sobre a imagem e o discurso constituirem um guia, transmitida de um emissor para um receptor (sendo esta relação de emissor-receptor inesperada, não-habitual, ou como diria Mike Sperlinger, constituinte de uma "quebra de um círculo vicioso de poder") decidi pensar a possibilidade de um artista usar outro artista como meio, mas não no sentido atribuído a Lucy Lippard no texto de Sperlinger.
Com intenção última de marcar uma fronteira entre o desenho e possíveis normas ou constrangimentos, propus através da minha instrução que fosse realizado um desenho segundo o método de Alessandro Ricci; a par da frase, desenhei uma grelha ortogonal na folha de instrução; no topo dos eixos verticais coloquei uma numeração, e no topo dos eixos horizontais coloquei o abecedário. Os elementos a sublinhar são:
- Alessandro Ricci é uma personagem inventada por mim;
- não há qualquer método da área do desenho, ou de qualquer outra, que possa ser associado a este nome, logo, o método é inexistente;
- embora a instrução não mencionasse de forma nenhuma a grelha ou o seu propósito, a instrução a par de uma grelha não levanta qualquer suspeita, dado um enunciado conter frequentemente este tipo de grafismos relativos a limitações e constrições de várias ordens.
Neste sentido, o enunciado não tem resolução correcta, porque ela não existe. O erro é aceite como possibilidade porque não há outra possibilidade.
A instrução relativa à acção partiu de um tema que tenho vindo a tratar, que é estudado nos Yoga Sûtras de Patanjali, e que José Gil aborda no texto O intervalo absoluto. Beuys.: a "textura do tempo"(Gil, p.198). O propósito da minha instrução foi proporcionar a possibilidade de uma paragem, através do abrandar do ritmo e da consequente vivência do presente.
"Recria a textura do tempo:
Faz o que farias em 20 minutos em 60:
- Toma consciência da tua respiração e abranda-a;
- Toma consciência dos movimentos e abranda-os;
- Toma consciência do teu pensamento e abranda-o.
Desacelera o tempo sempre que necessário. Regista os momentos que abrandaste."
"este desfazamento em relação aos relógios objectivos conduz a um «ajustamento para consigo.»" (Gil, p.198) e foi ao encontro desta ideia que procurei ir: usando o enunciado de criar uma instrução para uma ação, procurei que a minha instrução não gerasse acção de qualquer espécie, e sim uma paragem efectiva, da qual poderiam surgir, em segundo plano, registos de qualquer espécie.
A Gabriela, depois de ler durante algum tempo o enunciado, cruzou as pernas e passou alguns momentos a fazer respiração abdominal; permaneceu em silêncio algum tempo. Depois começou, lenta e delicadamente, a dobrar a folha várias vezes a meio, até ficar com uma tira estreita e longa. Voltou a dobrar esta tira a meio, as vezes que conseguiu, e usou uma caneta para descrever uma linha que atravessou a folha (o tempo) dobrado. Explicou-me que se tratava de uma reflexão sobre a irreal concepção linear que temos do conceito "tempo".
O segundo enunciado tinha como propósito a realização de um desenho. Reflectindo sobre a imagem e o discurso constituirem um guia, transmitida de um emissor para um receptor (sendo esta relação de emissor-receptor inesperada, não-habitual, ou como diria Mike Sperlinger, constituinte de uma "quebra de um círculo vicioso de poder") decidi pensar a possibilidade de um artista usar outro artista como meio, mas não no sentido atribuído a Lucy Lippard no texto de Sperlinger.
Com intenção última de marcar uma fronteira entre o desenho e possíveis normas ou constrangimentos, propus através da minha instrução que fosse realizado um desenho segundo o método de Alessandro Ricci; a par da frase, desenhei uma grelha ortogonal na folha de instrução; no topo dos eixos verticais coloquei uma numeração, e no topo dos eixos horizontais coloquei o abecedário. Os elementos a sublinhar são:
- Alessandro Ricci é uma personagem inventada por mim;
- não há qualquer método da área do desenho, ou de qualquer outra, que possa ser associado a este nome, logo, o método é inexistente;
- embora a instrução não mencionasse de forma nenhuma a grelha ou o seu propósito, a instrução a par de uma grelha não levanta qualquer suspeita, dado um enunciado conter frequentemente este tipo de grafismos relativos a limitações e constrições de várias ordens.
Neste sentido, o enunciado não tem resolução correcta, porque ela não existe. O erro é aceite como possibilidade porque não há outra possibilidade.
Confrontamos-nos com um enunciado que não é, de todo, relevante. Idealmente, poder-se-há expandir esta conclusão a muitos outros enunciados, normas, protocolos que seguimos, todos os dias, por nos serem propostos em determinado contexto. No seu "invólucro" poderão todo o aspecto de serem válidos, e o seu conteúdo poderá ser nulo. A relevância da nossa participação é questionável, a relevância da acção é ela própria questionável. A importância desta acção cabe, única e exclusivamente, ao executante e à conduta que ele optar por ter face à ausência de indicações reais.
A Gabriela utilizou a grelha para fazer
furos, com um lápis. Depois, fez uso desse
picotado para retirar a palavra "NO".
Bibliografia
Gil, José (1996). "A imagem nua e as pequenas percepções - Estética e Metafenomenologia". Trad. de Miguel Serras Pereira. Relógio d’Agua Editores, Lisboa, pp. 197-239
Sperlinger, Mike. (2005). "Order! Conceptual Art's imperatives". In Sperlinger, Mike (ed.) (2005). Afterthought: new. writing on conceptual art. London: Rachmaninoff's, pp. 1-26
Sperlinger, Mike. (2005). "Order! Conceptual Art's imperatives". In Sperlinger, Mike (ed.) (2005). Afterthought: new. writing on conceptual art. London: Rachmaninoff's, pp. 1-26
Obrist, Hans Ulrich. (2004) Do it. Volume I. New York/Frankfurt: e-flux/Revolver