14.12.16

Sobre a Parede Sobre a ~


Violação da ~ pela ~
Contaminação da ~ pela ~
Contaminação da Memória no Real
Invasão da linguagem na percepção




A nossa memória reconstrói tanto acontecimentos passados como presentes, quando a referência visual usada não está acessível à observação: temos a ideia de como é o nosso quarto sem o vermos. O mesmo acontece com as ~s do Atelier: embora em constante mutação, há um registo mental fixo. Partindo deste princípio, fixei a minha memória da ~ na ~: houve uma contaminação da ~ por ela mesma, da minha memória da ~ nela, sobre ela, violando o espaço pela sua meta-transformação. Deste modo, ela nunca deixou de existir como era para mim, apenas lhe foi acrescentada informação, graças à recolecção automatizada dos acontecimentos produzidos pela minha consciente e inconsciente memória. Este processo de metalinguagem dividiu-se em diversas partes:

1. Elaboração de um texto com afastamento espacial em relação à ~, através da memória;
2. Visualização mental de como a ~ poderia ser, como ficaria representada em si (hipotetigrafia);
3. Confrontação do texto escrito em 1. com a ~ em si;
4. Observação da ~;
5. Escrita sobre a ~ acerca da ~, com adaptação do texto à memória mais recente e ao espaço disponível;
6. Registo dos movimentos.

Deste modo, há uma viagem da memória em duas partes: com distanciamento e com proximidade ao espaço. A gravação representativa da ~ agrupa assim dois tempos, fixando a ~em si mesma, estabilizando a sua mutação, parando a minha memória dela mesma. 




Sequência A: da Memória ao Real
1. Memória visual em conjunto com anterior observação perceptiva e imaginação: 
hipotetigrafia, apoiada pela audição de música sobre ~s.
2. Primeira transcrição de ~ para outro suporte, sem a observação real da ~ transcrita.
3. Apoiado no primeiro texto, adaptado ao sentido no momento
e espaço da acção, transcrição da ~ memorizada.
4. Transcrição da ~ para meio digital, fazendo a ~ transportável.



No texto, para além da descrição da superfície, há uma interpelação de diferentes usos da palavra e suas concepções, passando no campo da metonímia, que vão desde a referência a diversas acepções da palavra — como a Freguesia de ~ de Cascais, a técnica de guerra da ~ de Escudos, a quarta ~ da teoria do teatro de Brecht, com uma provocatória ligação entre teatro e performance — até ligações criadas com o decorrer do texto, que vão desde a street art à crítica da televisão portuguesa, importação massiva, redes sociais, arte contemporânea e a contaminação do inglês no nosso dia-a-dia. 

Inevitavelmente, como se trata de um discurso de carácter conversacional derivado do automatismo, há diversos erros frásicos, típicos de quem está a ter uma conversa, com um raciocínio contínuo, de ~ de memória para ~ do real, juntamente com ligações de acontecimentos pessoais. Realçando o carácter de definição, o uso do “~” substitui a palavra, como numa entrada de dicionário.

O acto de escrever em si já é memória, uma memória-hábito. Segundo Bergson, tal consiste no automatismo de um comportamento resultante da sua repetição, tratando-se de uma aquisição de mecanismos sensoriais e motores. Na acção isto acontece não somente pelo acto de escrever, mas também pela repetição automática da ~ em si mesma.


Após executar a acção, tendo em conta a categoria documental da documentação de performance de Philip Auslander, apresento o processo da acção, quer anterior à sua realização física no seu espaço hospedeiro, quer como registo posterior à acção dos movimentos realizados. A fotografia é apresentada a preto e branco de modo a evocar o efeito da realidade da fotografia, como defendido por Jon Erickson.




Sequência B: da transcrição à habitação
1. Acção de escrever a ~.
4. O ignorar da ~, porque é a mesma de antes.






Figura 1: A ~ de memória.



Sequência C: Planta e explosão de ~ do espaço hospedeiro da acção, originalmente à escala de 1:100.
Sequência D: O movimento da acção.
(de cima para baixo, da esquerda para a direita)
1. A ~ primária.
2. A ~ feita diário de si mesma.
3. Movimentos do carvão.
4. Direcções do movimentos de escrita, e logo de corpo.
5. Movimentos frontais do corpo, adaptando-se à ocupação da ~.
6. Direcções do corpo, em pé, de modo a facilitar a escrita.


Figura 2: conjugação dos diferentes movimentos da Sequência D.



Assim, ao contrário do que é defendido por Peggy Phelan, como a via de desaparição, a ~ nunca deixa de existir. Ainda mais, o acto performativo encontra-se lá após o meu término da acção, pois a ~ tornou-se a sua própria performer, por via da memória. O espaço é habitado da mesma forma, a ~ continua a ser tida como tal. Por outro lado, a acção realizada já acabou, desapareceu, sendo a acção em si vítima da desaparição. A ~ mantém-se, como uma metonímia da acção, e uma ekprasis da ~ em si, também como acção performativa.


Além disso, esta acção apresenta uma forte relação tanto com o trabalho pessoal desenvolvido como com o trabalho de Glayson Arcanjo e Emílio Remelhe, identificando-se igualmente com obras como One and Three ChairsSe por um lado existe esta última ligação, por outro há uma forte diferença: enquanto somente uma das cadeiras permite, efectivamente, o acto de sentar, na acção realizada a função da ~ não mudou: a ~ continua a expôr os objectos, mas pela sua memória, não pela sua presença.



Bibliografia:

AUSLANDER, Philip (2006). "The Performativity of Performance Documentation". PAJ: a Journal of Performance and Art. 84. Vol 28, September 2006, pp. 1-10. 

MASSIRONI, Manfredo (1982 [2010]) Ver Pelo Desenho. Tradução de Cidália de Brito. Edições 70, Lda. Lisboa. 
PHELAN, Peggy (1993). Unmarked: The Politics of Performance. London and New York: Routledge.
RICOEUR, Paul (2004). Memory, History, Forgetting. Chicago, London: University of Chicago Press
TSCHUMI, Bernard (1994). The Manhattan Transcripts. London: Academy Editions (cf. http://www.tschumi.com/projects/18/

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https://www.poetryfoundation.org/resources/learning/glossary-terms/detail/ekphrasis
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