3.2.17





Quanto pesa uma pedra?   - Como é que o corpo a recebe? 



“Pergunto a mim mesmo se uma recordação é algo que se tem ou algo que se perdeu.” 
Woody Allen, guião de Uma Outra Mulher  



        O conselho de Cennino Cennini, de utilizar pedras como modelos de desenho para as montanhas, uma frase bastante leonardesca, despoletou toda uma descoberta á volta da pedra, num movimento concêntrico, onde um acontecimento se relaciona a outro e assim sucessivamente. Num dialogo retórico sobre a pedra, questionando o seu grau zero, como se o meu corpo não soubesse realmente o que era aquele objecto estranho, uma nova descoberta, onde “ O artista deve ver tudo como se estivesse a ver pela primeira vez.” (Matisse cit in Rodrigues, 2016, 16 ). 


       Perante esta dicotomia lembrar mas ao mesmo tempo tentar esquecer, pela criatividade “Tornar estranho o que nos é familiar (…)” (Eurico Gonçalves cit in Rodrigues, 2016, 16) procurei inspiração nas pedras do meu muro, ao recordar que seja alguma coisa que me traga saudades, porque é sinônimo de uma boa lembrança. Quando trabalho com elementos da minha casa, o meu corpo viaja para esse espaço, para essa paisagem, “Cuando “vemos” un paisaje, nos situamos en él.” (Berger , 2000, 17). Existe uma ligação do meu corpo com esses materiais, objectos e imagens. Ao  criar dialogo com as pedras que retirei do seu estado inicial, onde anteriormente, na sua quase inercia, criavam uma fronteira, tento jogar com os antônimos da memória (esquecer - o que elas são - e lembrar - que são pedras do meu murro). 
Na relação entre a pedra e o corpo do homem, todos os sentidos trabalham para a criação de uma imagem mental da pedra, assim para a produção  de uma memória /conhecimento pessoal temos que a sentir, cheirar, ouvir os sons que ela produz, ver a sua cor, o seu peso, “Um corpo pesa sempre; deixa pesar-se, ser pesado. Um corpo não tem um peso, é um peso. Pesa, pressiona-se contra outros corpos. Todos os corpos pesam uns contra os outros.” (Jean-Luc Nancy), e deste como alteram-se mutuamente, num toque reciproco. Onde a presença de dois corpo envolvidos por camada externa, a pedra com tinta preta e a mão com uma luva branca, onde tanto o corpo toca a pedra como ela o toca, num movimento entrópico, em que os dois corpos foram alterados e não podem voltar ao seu estado inicial, e desse movimento foram produzidos artefactos (comissuras) resultados dessa acção. Para além disso, a pedra é capaz de nos ferir, mesmo que seja indirectamente a partir de uma fotografia (tropo projectado), e  quando tentamos perceber a sua relação com o espaço e a sua forma, simplificamos geométricamente ou repetimos exaustivamente a sua representação e colocação no espaço. 
       Temos que tocar para saber o que é realmente uma pedra, pois podemos ser enganados por uma falsificação, um tropo, que vêm “substituir” o objecto ausente por meio do desenho, contudo não podem “reproduzir tudo tal e qual aquilo que imita” (Enciclopédia Einaudi, 1992, 18), “ la reproducción de un objecto o escena por medio del dibujo obliga a realizar un conjunto de transposiciones reglamentadas; no existe nada como un estado natural de la copia pictórica, y todos los códigos de transposición son históricos; (…) el dibujo no lo reproduce todo, y a menudo reproduce muy poca cosa” (Barthes, 1985, 39),  o “processo de olhar é, ao mesmo tempo, um processo activo e selectivo” (Hockberg, cit in Massironi, 1982, 74), mas é o suficiente para manter a farsa de que “realmente” estamos a ver uma pedra. Este engano visual pode ser aplicado em objectos tridimensionais, onde a pedra é afinal esferovite coberta de areia,  e só poderemos desmistificar o engano se formos para além da experiencia visual, mas mesmo assim poderemos ser iludidos. Perceber a pedra, ver, possui-la , implica acumular um inúmero de experiências que nos permitem gradualmente adquiri um conhecimento sobre esse objecto, e isso demora o seu tempo.  
      Assim todas as imagens que temos ou tivemos sobre a pedra são vestigios de uma expressão de ideias “por um processo dinâmico de indução e da interpretação.” (Joly, 2005, p. 53) que foram interpretadas conforme os códigos partilhados pela sociedade (grau zero). Sendo a imagem uma representação - acto de “ Representar (…) evocar, por descripción, retrato o imaginación; figurar; colocar semejanzas de algo ante la mente o los sentidos; servir o ser tomado como semejanza de ... representar; ser una muestra de; ocupar lugar de ; sustituir a” (...)” (Gombrich),  resumidamente uma visão com diversas lentes. 

Mas no final será que eu sei o que é uma pedra? 

Pedra na fotografia e no corpo 


A representação e o peso da forma - peso real e no desenho 

Violência da pedra no corpo - fotografias danificadas pelo contacto com a pedra
Uma falsa pedra- esferovite revestida com areia e cola 



Uma pele que marca a interior presença do corpo

Luva com marcas, resultado da fricção de uma pedra tintada de negro 


          

Simplificação da forma/ Um espaço ordenado - acrílico sobre papel; Movimento pelo espaço - grafite sobre papel 


Mais vale colocar uma pedra sobre o assunto - caderno com confusões para serem esquecidas 


Olhar por um minuto as montanhas- videos de autoria própria

Pedra Mãe, respeito à forma Gravação sobre granito 


Portfólio do projecto Quanto pesa uma pedra? 





RODRIGUES, Dalila de Alte.  A infância da Arte, a arte da infância.- Viana do Castelo, Editora Credito Agricola, 2016 

BARTHES, Roland. Lo obvio y lo obtuso: Imágenes, gestos, voces. - Barcelona, Paidós, 1985

BERGER, John. Modos de Ver. -Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 2000

CHEVALlER, Jean. Diccionario de los Símbolos-. -Barcelona, Editorial Herder, 1986 

GOMBRICH, E. H; trad. Raul de Sá Barbosa; Arte e ilusão : um estudo da psicologia da representação pictórica - São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora, 1986. 

GOMBRICH,, E.M. Meditaciones sobre un caballo de juguete o Las raíces de la forma artística. - Madrid, Editorial Debate, 1963 

JOLY, Martine A imagem e os signos. -Lisboa, edições 70,2005)

MASSIRONI, Manfredo. Ver pelo desenho : aspectos técnicos, cognitivos, comunicativos; trad. Cidália Brito. - Lisboa : Edições 70, 1982.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção - São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda, 1994.

PALLASMA, Juhani. La mano que piensa. Sabiduría existencial y corporal en la arquitecturatraducción de Moisés Puente.- Editorial Gustavo Gili, 2012