10.3.20

TRANSFERÊNCIA DE USO - Teresa Taf



Vejo esta proposta como uma oportunidade para reflectir sobre a ligação possível entre o gesto/acção e a expressão artística do corpo-próprio. 

Como nota Henri Bergson, a criação não é apenas operada a partir do corpo do sujeito sobre uma matéria exterior a si, mas também operada sobre a própria matéria-imagem que é o corpo. 

Neste diálogo gestual, o corpo não é um obstáculo, apresentando a sua resistência à expressão artística de si mesmo, mas o corpo é um elemento fundador e integrante.

Faz-nos refletir sobre o impacto que os nosso gestos artísticos podem ter no mundo e como os nossos gestos perante a vida podem ter impacto no nosso gesto artístico. 

Eu quis fazer uma espécie de narrativa, onde é criado um paralelismo entre acções necessárias e implícitas no acto de criação artista, como por exemplo desenhar e pintar, e acçoes implícitas no acto de orar e de meditar. 

Podemos dizer que são dois rituais que desenvolvem acções muito similares, em termos de comportamentos e de metodologias. 

Em ambos os casos, estão presentes o isolamento, a preparação do espaço e dos materiais, a concentração, a metodologia a pôr em prática, a repetição de gestos, o ritmo, a interiorização ... são duas acções comparáveis até na forma como se desenvolvem: do acto imaginário à sua concretização fisica. 

" A ideia de que as nossas acções estão intimamente vinculadas à nossa percepção constitui uma hipótese que se confunde parcialmente com a definição de acto fingido ..." Actos Fingidos: Aspectos da dimensão Performativa do desenho. 2018, Paulo Luis Almeida. 

Os registos dos movimentos destas duas acções, têm impactos semelhantes. A repetição de gestos no acto de orar ou meditar projecta-se para o corpo e do corpo para os gestos; no acto de criação, os gestos projectam-se para a obra e da obra criada projectam-se para o corpo. Através destes gestos repetidos, tanto meditamos como exteriorizamos o que nos corre no rio interior. 

Estabelece-se uma ligação entre o acto físico e o acto abstracto, pois a acção de orar ou meditar que, geralmente, acontece sem qualquer movimento ou gesto, isto é, sem qualquer tipo de exteriorização e apenas na nossa intimidade, é por mim transformada, num gesto de criação (entre o corpo e o pano), num acto visível e gestual.  

Faço aqui uma alusão ao facto de tantas vezes, os nossos gestos serem algo para mostrar aos outros ou para nos transportar para uma acção que queremos acreditar que estamos a fazer. Na acção de criação artística, os pensamentos e as inquietudes do artista são expostos aos olhos de todos, deixando de pertencer apenas à sua intimidade. São as marcas deixadas, de algo que corria apenas no seu interior. Da mesma forma, a oração pode exteriorizar, através de gestos, a nossa intimidade.

Nesta narrativa quis transferir tudo o que está implícito nestas duas acções, tanto na de orar/meditar como na de pintar/desenhar, através de uma marcação com tinta vermelha, que não só regista este paralelismo, como reforça a ideia de que todos os nossos actos, na sua passagem do interior para o exterior, têm impacto em nós, nos outros e no mundo.

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(3) Redirecciono o acto de ocupar o espaço com a preparação do espaço para o que se vai seguir. 
Ocupamos o espaço de forma a torna-lo nosso, a torna-lo o nosso espaço de criação e de oração/meditação.


(2) Exploro a transferências entre duas ações de campos performativos distintos em dois momentos diferentes. 
o paralelismo criado entre o orar/meditar com o "criar" e o acto de lavar transferido para dois momentos distintos - como o lavar a alma (orar) e lavar o corpo (limpar)  




(1) Exploro a transferência-de-uso de uma ação para os suportes e processos do desenho, numa proposta simples que vem da narrativa criada nos videos apresentados. É uma transferencia que acontece constantemente no atelier e no final de tantas outras tarefas que fazemos no nosso dia a dia. 
O limpar as mãos da água vermelha - o limpar o sangue que temos em Mãos para uma toalha - o acto de limpar depois de qualquer acção da nossa vida quotidiana - transferir essa "sujidade" para outro local, deixando ali marcado para sempre algo que fez parte de nós. 

(Apresento também o resultado da transferencia da acção para o desenho que foi desenvolvida durante o exercício 2)