2.5.20

DESENHO, INSTRUÇÃO E PERFORMANCE

Instruções: Letícia Poyares | Resposta: Isabel Dores
  
Receber instruções para a realização de desenhos e de uma ação foi um desafio que resultou num processo exploratório estimulante. O ato de dar, cria um vínculo (Bourdieu), mas a troca de posição, de recetor/instrutor, incitou a um jogo expectante. Esta responsabilidade, no entanto, foi facilmente ajustada às premissas.



I – Instrução para a realização de um desenho



O encerramento dos espaços culturais públicos foram uma consequência gravosa do atual confinamento. A anulação de espetáculos, exposições e idas ao cinema tem sido dramática, sobretudo para quem deles depende economicamente. Enquanto espectadora, esta súbita mudança faz com que prevaleça um vazio desconcertante.
Seguindo a instrução protocolar de Letícia Poyares, os desenhos foram inseridos no layout proposto, assim como as respetivas legendas. A minha resposta focou-se essencialmente em lugares, dois públicos e um do domínio privado. A minha perda cai sobretudo na liberdade de ação e na partilha social e cultural.



II – Instrução para a realização de uma ação

1. Em um dia de chuva vá até sua janela, varanda ou quintal.
2. Tente tomar um banho de chuva (do jeito que conseguir).
3. Anote em um papel a primeira sensação que sentir após o banho de chuva.
4. Deixe o papel tomando um banho de chuva.
5. Faça registros de foto ou vídeo.



“Nada cai tão frequentemente nem tão reiteradamente como a chuva.”

Elias Canetti

A proto-performance foi recebida como um convite aprazível e não como uma ordem. Optei assim como resposta colocar-me debaixo de chuva em quietude. A posição do meu corpo, contrapõem-se à queda das gotas de água. A sua projeção sob o meu invólucro protetor, muitas vezes usado nas caminhadas pela montanha, foi sentida e marcada pela saudade. O desvio na utilização de uma caixa de cartão inserida na cabeça, pretende criar uma relação com algumas analogias do presente. Entre elas, a transferência para uma escuridão e para a clausura obrigatória.
A caixa, ao ser uma embalagem, pretende ainda remeter para o consumo e mercadoria. A chuva, que considero como uma dádiva, acaba por reforçar a precariedade de uma materialidade (a caixa de cartão). A diluição da tinta do grafismo inscrito (a sensação da ação), reforça essa fragilidade - a insegurança de falta de certezas as quais estávamos habituados.
Esta experiência exploratória resultou mais como uma confirmação de sensações sentidas e de uma posição a qual tenho vindo a manter durante os últimos anos.

Nota: A falta de chuva durante o período diurno, dificultou a realização deste exercício. Se a intensidade da chuva fosse maior, haveria uma maior deterioração da caixa de cartão enquanto acessório do meu corpo.


Canetti, E. (2014). Massa e Poder. Lisboa: Cavalo de Ferro, p. 97.