A partir de uma investigação com teor auto-biográfico, partindo do movimento migrante, reconhecendo-me deslocada da comunidade de origem e buscando reconhecimento num novo território, mas retraçando rotas exploradas por antepassados familiares, são propostos ensaios que transitem em outras dimensões espaciais, para além da territorialidade física, galgados na idéia de pós-memória.
A teoria, estruturada pela professora romena, Marianne Hirsch, transita na prática da artista polonês-americana, Monika
Weiss. Ela defende: “A consciência de nossa marginalidade se eleva ao reino do significado através
de nosso breve encontro com a memória e a história”. O que, então, significa estar “às
margens”?
Num contexto social, as margens me parecem serem
transitadas pela população que carece de acessos. Nesse lugar, o poder da
burocracia institucional se sobressai ao poder do “bom senso humano”.
Percebo meu próprio corpo como uma espécie de “binóculo”.
Quando estou no Brasil, aponto para Portugal, quando estou no Porto, aponto
para a Ilha de São Miguel, quando estou na Ilha de São Miguel, aponto para o
Brasil e assim percebo que, além do meu caso isolado, muitos outros, nesse
mesmo território, estão sempre a apontar para outros lugares, formando uma
malha invisível de trajetos sobre o território terrestre. Uma malha que não tem
fronteiras nem sequer é preciso permissão de acesso.
América: Desenho de
instrução. 2020. Caneta sobre papel de infusor de chá.
O ato de apontar outro lugar denuncia a
posição de deslocamento. Trazendo para a experiência íntima da pós-memória,
volto aos anseios do meu bisavô, que em busca de “uma vida melhor”, cruzou o
Atlântico no sentido para o Brasil. Agora, impulsionada por configurações
políticas, represento uma nova geração do “retorno” nesse núcleo familiar. Assim,
no desenho de instrução “América”, - realizado, simbolicamente, reaproveitando
papel de infusor de chá, já que em período de reclusão social (devido a uma
pandemia) havia acesso restrito aos materiais, - o ato de apontar surge a
partir do ato do ancestral, mas logo percebo a identificação do ato no meu
próprio estado migrante.
Trazendo a fala do professor Paulo Luis
Almeida, quando levanta a descoberta de neurônios-espelhos no cérebro, que são
a “base da nossa capacidade de incorporar uma experiência” a partir do desenho, questiona-se se “deictic gesture” (gesto de indicar, apontar) representar um impulso transferido num intervalo de tempo que abraça gerações.
América. 2020. Fotografia
digital.
Me coloco,
literalmente, às margens, indicando uma rota possibilitada pelas águas. Assim,
habitando atualmente a cidade do Porto, vejo no rio Douro uma conexão de todos
esses territórios para onde aponto. Na imagem, carregada de elementos
simbólicos da cidade, não resta dúvida da minha localidade.
Volto à idéia de “sonho americano”, que eleva a falsa idéia da “terra livre”, ainda
sustentada pelo atual neoliberalismo crescente nesses continentes, na busca por
“uma vida melhor” e busco ressignificá-lo. Percebo também a democratização nos deslocamentos
possibilitada pelo ato de sonhar, e assim, surge a idéia de que enquanto durmo,
posso estar performando. A performance realizada no ato de dormir é explorada, aqui, como um "espetáculo" inacessível por terceiros, portanto, particular e íntimo, mas utilizando do objeto "travesseiro", busco indicar as "travessias" possibilitadas pelo sonho.
América: Ensaio de
anti-monumento íntimo. 2020. Bordado sobre fronha em algodão.