Considerava que esta instrução, na sua dimensão física, de
execução, não tinha muito por onde improvisar ou inventar. Tenho a dizer, no
entanto, que realizá-la no jardim da FBAUP, onde existem várias
espécies e feitios de árvores, fez-me verificar que a sua realização podia facilmente
ser bem diferente do que idealizava (apesar de não ter sido o caso com a
Juliana). Isto porque quando realizava a performance sozinha escolhia sempre,
automaticamente, árvores grandes, maiores do que eu, com uma copa grande o
suficiente para abraçar como quem abraça outra pessoa. Se fosse escolhida uma
árvore de formato pequeno, seria possível realizar a instrução, mas esta
possibilidade foge em grande medida ao que sempre idealizara.
A liberdade de execução desta instrução aumenta
consideravelmente na sua componente mental. A partir da quarta frase, os passos
são de natureza mental, são ordens a ser cumpridas na mente e universo de cada
um. Sendo assim, não é possível verificar se as minhas expectativas foram
correspondidas, a não ser perguntando à pessoa que realizou o que e como pensou
e o que e como sentiu.
Neste caso, depois de perguntar à Juliana como foi a sua
experiência, percebi que ela tem o hábito, desde pequena, de abraçar árvores, “conectar-se”
com elas. Hábito esse ensinado pelas suas avós, que lhe diziam para abraçar uma
árvore quando não tivesse energia. Disse-me também que, neste pequeno ritual,
desliga-se do tempo, ou pelo menos do seu entendimento pela sociedade. Então
achou engraçado ser guiada por alguém, porque se estivesse sozinha iria com
certeza ficar muito mais tempo, “perder-se” nele. Falou também na escala,
dizendo que ao abraçar a árvore sente-se igualmente abraçada por ela, estando
sempre muito consciente do toque, superfície e da troca de temperatura com a
árvore. Achei extremamente curioso porque não estava à espera de encontrar
alguém que tivesse já esta prática, - mais ainda - que lhe tenha sido ensinada.
No meu caso, comecei por fazê-lo sozinha, e tornei esse hábito numa performance
de instrução, com o intuito de proporcionar a outros o mesmo tipo de
experiência. A Juliana, para além de já ter o hábito de fazer algo muito
parecido (não exatamente com as mesmas diretrizes), tem também o hábito de
ficar a “vivenciar” a experiência em questão durante mais tempo do que eu
alguma vez tentei.
Registo da realização da instrução durante a aula.
Instrução de Juliana para Joana:
A instrução que me foi dada pela Juliana consistiu no objeto que podemos ver na fotografia e vídeo acima. O pequeno recipiente de papel continha também terra no seu interior. No seu exterior estavam impressas as palavras "retorne a terra a terra". Sendo o objeto um cilindro, a disposição destas palavras criava um loop interminável (como é visível no vídeo), visto que não havia fim determinado para a frase. Poderia interpretar isto como um convite a repetir o exercício depois de terminado. Ou até como um lema a seguir para a vida.
Escolhi um local com terra, no jardim da faculdade, onde depositei a pequena quantidade de terra do objeto. Senti que foi um gesto simples mas poderoso, pois transporta-se para outras áreas ou para outras escalas. É, aliás, urgente transportar esta lógica, no seu sentido poético, para a consciência coletiva da humanidade. Em termos de interpretação, pareceu-me uma chamada de atenção à necessidade de respeitarmos a terra (e a Terra). A disposição das palavras e a frase em si, evocam a noção do ciclo (e do circulo), da natureza cíclica da terra e da natureza, e portanto de tudo. É um apelo ao respeito e à participação nesses ciclos - prática visivelmente carente na maior parte da humanidade contemporânea.
Volto a referir o quão curioso achei o facto do meu trabalho e o da Juliana se relacionar em muitos pontos. Principalmente pelo facto do meu trabalho andar precisamente à volta do conceito e do material que é a terra. Também as prioridades e intenções dos nossos trabalhos, pareceu-me, têm pontos em comum - como por exemplo a intenção de apelar a uma maior consciência da nossa indissociável relação com o meio envolvente, a natureza, e incitação ao respeito e apreciação da mesma.
Registo do resultado da instrução dada pela Juliana
Instrução de Juliana para Joana (desenho, fora da aula):
O ato que esta instrução me levou a fazer resultou na seguinte reflexão:
- Para observar outro de modo profundo, com tempo, nomeadamente uma planta, é preciso esquecermo-nos de nós por uns momentos. Abdicar das nossas concepções humanas. Estar abertos a OUVIR e observar. Perceber que o que uma planta percebe não é da mesma natureza do que nós percebemos. É um exercício de empatia (e de humildade). Para ouvir é preciso calar.
Para além desta reflexão, que registei por escrito, recordo-me do surgimento de algumas questões e impressões:
- Quando toco a planta, será que me sente?
- Como é que me perceciona?
- Será que o meu toque a acaricia ou incomoda? Ou será sequer sentido por ela?
- O tempo de movimento (pelo crescimento/o "abrir" e "fechar") e, eventualmente, de percepção de uma planta é muito mais lento que o de um ser humano. Para a observar verdadeiramente tenho de "abrandar" de modo considerável. Observando com tempo. Não sei se cheguei a efetuar essa observação. Apenas constatei que era necessária.
Mostro abaixo fotografias do processo da execução da instrução:
"outra vida" escolhida/encontrada para a realização da instrução
Desenho, feito posteriormente, sobre a experiência da instrução.
Depois de ter executado a instrução e registado por escrito as minhas impressões sobre ela, falei com a Juliana. Disse-me que, apesar de não estar nas instruções, era suposto fazer um desenho sobre a experiência. Achou que era lógico, visto que este exercício pressupunha que houvesse desenho. Como não estava na instrução, não o fiz, achei apenas que a Juliana tinha ignorado a componente do desenho. Decidi então fazer um desenho, dias depois, acerca da experiência proporcionada pela instrução. Tive de reviver, mentalmente, o momento.