Traços de Presença - performance duracional.
Materiais necessários
1 folha de papel - dimensão variável.
Lápis, canetas, pasteis coloridos
Instrução
Utilizando o material disponível, traçar no papel conforme contagem mental.
A cada distração, muda-se a cor e reinicia-se o procedimento.
Repita a ação pelo tempo que achar necessário para se fazer presente.
Porém, antes de avançar na experiencia da performance, vou voltar algumas casas, e refletir sobre presença/estar presente
O dicionário diz que é a existência de uma pessoa ou coisa num lugar, participação em um evento. Quando falamos que uma pessoa "tem presença" é por que a notamos com facilidade no espaço. Associamos também a estar presente a estarmos tranquilos e aproveitando o momento.
Em tempos de hipercomunicação por telas, estar presente passou também para o mundo virtual através das redes sociais diversas e, com esta, uma nova forma de ansiedade social. O FOMO, "fear of missing out"/medo de ficar de fora, em que pessoas atualizam e se mantem conectadas inclusive durante a madrugada. Quem nunca presenciou a cena de pessoas sentadas em conjunto em um local físico, porém todas encarando as telas de seu tele móveis e sem interação uns aos outros (ao menos não na "vida real").
Paradoxalmente, um dos exercícios ensinados a pessoas com transtorno de ansiedade é praticar a presença no momento, não deixar o pensamento vagar em preocupações com o futuro, que são normalmente sem fundamento. No momento da crise, e o mais difícil de aplica-los, pode-se apoiar em nomear pessoas conhecidas, rememorar a data de hoje, fixar nosso olhar em um ponto do local onde se encontra, respirar conscientemente e contar.
Tal ação foi bastante difundida recentemente através do "mindfullness" ou atenção plena, treinar para manter o foco no presente. Esse procedimento, porém, é bastante anterior as telas e repercussão que tal movimento conquistou, vem do budismo, conectado a serenidade e imperturbabilidade (palavras que também são encontradas ao lado de "presença de espírito" entre os significados e usos verbete.)
Respirar conscientemente, entender o percurso do ar no nosso corpo que nas práticas iniciais utiliza-se da contagem mental como recurso - uma "distração" da onda de pensamentos costumeira e uma maneira de fixar corpo e mente na atividade. Ensinamentos de perseverança e resiliência.
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_De volta a performance - desenho como prática de presença #2
No contexto de sala de aula, por quase 3 horas, tracei com canetas a numeração mental correspondente. Para a segunda performance adicionei 1 microfone de contato,1 mesa de mistura e 2 colunas de som.
Me posiciono no jardim da FBAUP, me sento na grama, uma superfície um pouco mais confortável que o duro piso da sala de aula, mas que também dificulta alguns traçados pela variação de altura que emprega no papel.
Há mais fatores externos de estímulos visuais e sonoros, para além dos que eu mesma gero.
Dessa vez há também o sol e o vento. Sinto calor, frio, o papel se move, os pasteis se espalham
O papel é menor.
Uso pasteis oleosos ao invés de canetas de ponta fina e tenho mais cores para alternar.
Começo. 1, 2, 3, 4 em vermelho, a primeira cor. Cor de sangue, de dor, de ação, de paixão...
O microfone, posicionado na mão direita, já que sou destra, realiza os traçados, capta o som dos movimentos ou da falta deles, que são transmitidos pelas colunas de som - uma tentativa de simular barulhos mentais, da voz que nunca se aquieta em nossos pensamentos.
Pessoas se incomodam com o som e saem, pessoas se interessam pelo som e permanecem por algum momento observando. Eu mesma me distraio com o que gero, tenho dificuldade de permanecer na ação no inicio.
Os traços são muito distintos uns dos outros - o que reflete o estado mental daquele momento, daquela ação ou como melhor explica a doutora em semiótica Elisabeth Romero sobre os gestos artísticos “permitem diferentes percepções e representações de nós mesmos e do mundo (...) carregam sempre algo de indizível, misterioso, como se parte de sua materialidade fosse invisível.”
"Repetition of strained methodical labour with the abrasive electro-mechanical atmosphere sound worked well in juxtaposition to the little idyllic sunny park. Like stumbling on a little oasis of suffering or something. Unpleasant to watch in some ways - pastel colours on hands, hyper-focus on the repetitive sisyphean task of drawing line after line. Feels like watching someone trapped in a cage that doesn't have any bars. Makes me feel like i need to look away because by observing the pain i am somehow complicit in the continued suffering.
I think the performance evokes this kind of anxious turmoil" (D.H)
Villem Flusser diz “A linguagem é feita de palavras e o gesto é feito de movimento. Quando a linguagem das palavras falha, recorremos à linguagem dos gestos.” e Merleau-Ponty corrobora "Language bears the sense of thought as a footprint signifies the movement and effort of a body".
A performance, o desenho é a necessidade humana em comunicar, uma maneira de linguagem - presença da mente/corpo.
Finalizo esse ensaio/crônica/relato com o pensamento de Monica Weiss sobre o assunto:
"The way we experience repetition and accumulation of drawn marks bears a close resemblance to the intonations, hesitations, and inflections of speech (...) an alternative form of knowing and perceiveing.(...) The surface of drawing understood as a site and as a landscape, a territory marking (...) mapping moment by moment, their gradual transition, the states of silent emptiness and withdrawal (...)our presence, and consequently, the absence."