4.7.22

Trabalho Final

 

Trabalho Final

Tendo em conta o meu projeto pessoal deste ano letivo, penso a refinaria de Leça, a Petrogal, que surge como foco de um trabalho gerido visualmente pela técnica de impressão e pela fotografia. A partir da situação atual que a refinaria atravessa, ou seja, o seu encerramento, descontaminação e consequente desmantelamento é possível construír uma narrativa que tira partido destes acontecimentos. Tratando-se de uma zona industrial, questiona-se também o papel da indústria na sociedade, seja o seu afastamento da cidade, a poluição ou ainda a arquitetura industrial. Para além disto, procura-se estabalecer uma relação também com o conceito de ruína e locais abandonados. Deste modo, durante este semestre dei continuação a este projeto pessoal. Seguindo um processo deambulatório aproveitei para documentar viagens de bicicleta tentando aproximar-me o mais possível em torno do perímetro.

No contexto de Desenho e Performatividade, parti de uma série de ações como o lixar, arranhar, arrancar de modo a construir uma narrativa performativa. O documento da performance serviu como elemento si próprio manifestando a sua linha de pensamento. Confesso que tenho uma relação racional, mas maioritariamente emocional com estes trabalhos que realizei e por essa razão, num contexto perfomativo este conjunto de atos de natureza violento acabaram por integrar um contexto inesperado: o suplício. Estabelece-se uma relação com o texto The Analysis of Performance Art de Anthony Howell relativo à sua noção de humanização de um objeto:

«...com um intérprete a substituir um objeto - por exemplo, em Homenagem a Morandi pelo Teatro dos Erros, um intérprete alto com um casaco de armazém castanho torna-se um guarda-roupa, enquanto outros "ficam em pé" para cadeiras e malas. Talvez esta seja mais propriamente a objetivação do intérprete? Do mesmo modo, porém, um objeto pode ser investido com qualidades humanas.» (1999, p.141, 142)[1]

Com isto, o desenho inseriu-se neste projeto com a perspetiva de apagar e danificar a impressão através da lixa e da fita cola. Este processo baseou-se no ato de Robert Rauschenberg ao apagar o desenho de Willem de Kooning em “Erased de Kooning Drawing” (1953).




Com isto, Gunther Knipp e William Kentridge, tal como Rauschenberg são referências significativas que surgiram para complementar este projeto no campo do desenho. Kentridge é um artista, que no seu estilo monocromático, dá atenção não só à paisagem como também às suas figuras ou personagens. O seu uso da mancha é inconfundível e de algumas das suas paisagens transmite-se sensação de desolação e tragédia o que acaba por se manifestar em parte também com Gunther Knipp. Curiosamente, Knipp utilizou também a lixa nos seus desenhos, no entanto, como ferramenta de textura. Ao contrário de Kentridge, as suas imagens exprimem apenas paisagens. No seu trabalho das décadas de sessenta e setenta verifica-se também a desolação, mas principalmente a ruína, ou seja, para além disto identifica-se um padrão entre a escolha das paisagens: campos, ruas, cercas, barricadas. Esta escolha específica de lugares acaba por se relacionar também com a noção de não-lugar de Marc Augé. Segundo Augé a determinação de um não-lugar é subjetiva, no entanto, a um nível sensacional a identificação de um não-lugar é quase imediata. O que o autor refere como “supermodernidade” no seu livro “Não Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade” surge como origem do não-lugar. Essencialmente, Augé aponta o não-lugar como um espaço de transição como um centro comercial, aeroporto ou estação de metro. A globalização sendo o motor que propaga a supermodernidade e o não-lugar consequência deste processo:

«Se um lugar pode ser definido como relacional, histórico e preocupado com a identidade, então um espaço que não pode ser definido como relacional, ou histórico, ou preocupado com a identidade será um não-lugar. A hipótese aqui avançada é que a supermodernidade produz não-lugares, ou seja, espaços que não são eles próprios lugares antropológicos e que, ao contrário da modernidade baudelaireana, não integram os lugares anteriores...» (1995, p.77)[2]

A partir desta análise da ligação entre a antropologia e lugares, podemos pensar a ruína como o lado inverso desta moeda. Estabelece-se, com isto, a base para estudar e fundamentar a pesquisa não só das paisagens de Knipp, mas também a circunstância da Petrogal.

Posto isto, o processo de intervenção pela lixa torna-se tanto uma ação do desenho, como a criação de uma ruína. O apagar é, de facto, algo inerente ao desenho visto que este aspeto também se verifica no desenho apagado por Rauschenberg. Para além disso, apagar, corrigir, destruir, esconder são todas características presentes no desenho, não necessariamente inevitáveis, contudo são refletivas da nossa natureza como ser humano. A ruína, deste modo, é então, uma metáfora consequente deste processo. Ao apagar a imagem de impressão litográfica procuro o dano, a destruição. O uso da lixa não é de todo a ferramenta de desenho convencional; produz uma determinada marca no desenho tão intensa que fica entre o restauro do branco do papel e a sua destruição total. Em suma, o conceito de ruína intensfica-se, tendo em conta as imagens em questão, o contexto do tema e a narrativa que pretendo construir.

Contrastando com a ruína a partir do desenvolvimento da impressão litográfica surge o conceito de “nevoeiro”, notavelmente pelas características e sensações da própria imagem. Essencialmente, o “nevoeiro” manifesta-se no campo da prática como o teor da própria impressão, no entanto, surge também de um ponto de vista teórico quando se atribui esse significado e cria-se a narrativa concetual.

No seguimento do desenvolvimento desta narrativa penso em outros conceitos visualmente entendidos como a decomposição, o ruído ou o “fantasma”. Para além de que a sua história permanece evidenciada por estes aspetos. Como tal, o nevoeiro poderá ser entendido como uma amálgama destes conceitos, visto que o nevoeiro é algo que cria uma barreira, que esconde e obscura.

Torna-se relevante, assim, mencionar o “nevoeiro” tendo em conta o processo da lixa, visto que foi algo que eu procurei reutilizar da temática da impressão. Aliás, procurei a artificialidade, ou seja, de acelerar e intensificar o processo que outrora é natural ao processo de impressão.

Concluíndo com o conceito de ruína, podemos pensar em fragmentos, artifactos ou resquícios. Isto verificou-se praticamente quando pelo processo da lixa foi libertado pó de papel. Este pó simultaneamente tornou-se um elemento essencial de experienciar como também algo fulcral para a leitura deste trabalho. Denominei o contentor deste pó “Desenho”, já que coloca vários problemas em questão; primeiramente porque problematiza a bidimensionalidade do desenho em algo tridimensional e sensacional (nomeadamente o tato e o olfato), mas também porque é um fragmento do desenho tal como pó de carvão ou grafite o seria.

 

Augé, M. (1995). Não Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade.

Azevedo, A. F., Vaz-Pinheiro, G., Pereira, F. J., Folgado, D., Abreu, J. G., Aguiar, J. (2001) Margens e Confluências: Um olhar contemporâneo sobre as artes.

Beuys, J. (2011). Cada Homem um Artista (2ª ed.).

Clarke, H., Kivland, S. (2017). The Lost Diagrams of Walter Benjamin.

Fernandez, A., De La Nuez, I., Daniel, M. (2021) Memorias Pendientes.

Sicard, M. (1998). A Fábrica do Olhar.



[1] Tradução livre. No original: with a performer substituted for an object - for instance, in Homage to Morandi by The Theatre of Mistakes, a tall performer in a brown warehouse coat becomes a wardrobe while others 'stand in' for chairs and suitcases. Perhaps this is more properly the objectification of the performer? Equally, though, an object may be invested with human qualities. (1999, p.141, 142)

[2] Tradução livre. No original: “If a place can be defined as relational, historical and concerned with identity, then a space which cannot be defined as relational, or historical, or concerned with identity will be a non-place. The hypothesis advanced here is that supermodernity produces non-places, meaning spaces which are not themselves anthropological places and which, unlike Baudelairean modernity, do not integrate the earlier places...” (1995, p.77)