exercício 1
est i c a r
(esticar)
fotos: Professor Paulo Almeida
Sendo de estatura baixa, a acção de me esticar é repetida várias vezes ao longo do meu dia, de tal forma que se tornou um dos verbos mais frequentes nos meus apontamentos. Usualmente, o esticar implica chegar a um objecto que se encontra num ponto alto, onde actuo essencialmente num plano fronto-horizontal.
Neste primeiro ato, mudei de eixo, tendo tornado a mesa a superfície para a acção. Denoto que a transferência-de-uso também se encontra nestas pequenas mudanças de direcção, posição ou plano, e alavanca-nos para outros códigos e formas de estar, de agir e pensar o Desenho e o ato performativo.
Como se de um objecto se tratasse, assumi o limite superior do papel como o ponto de chegada e encenei a tentativa de alcance, consciencializando-me do esforço - e, consequentemente, do peso do lápis - em cada etapa da acção. O resultado traduziu-se numa acumulação de linhas mais densas no topo da folha, contrastando com a suavidade, despreocupação e leveza do traço na parte inferior. A insistência e, por conseguinte, o cansaço nesta acção tornaram-se necessários para a sustentação do trabalho e para, de certo modo, reforçar a noção de um ciclo de repetição, quiçá de ritualização: esticar-alcançar-obter-marcar-retornar-iterar.
↻ girar↻
(girar)
Para o segundo exercício escolhi o verbo girar que, apesar de passar mais despercebido no meu quotidiano, talvez aconteça com a mesma frequência que a acção anterior: giro para procurar as chaves antes de sair de casa, dou meia volta quando alguém me chama na rua, quando me engano no caminho, etc... Dada a subtileza da acção, procurei um material que constituísse um contraste directo. O pastel seco permite-me por um lado um registo de mancha firme, marcado, mas simultaneamente confere uma característica solta, mutável, onde o pigmento não se fixa numa forma em concreto.
O ato performativo resultou numa tentativa de ampliação e elevação de um gesto que, no contexto do quotidiano, é inconsciente e invisibilizado. Comparativamente ao exercício anterior, a materialização deste ato exigiu que me consciencializasse um pouco mais da acção enquanto encenação num todo: com diferentes diretrizes e preocupações, tais como o controlo do gesto, da escala, do suporte e de deriva, tudo a partir de um trabalho constante e simultâneo de memória.
A acção em si não se traduziu num redireccionamento exactamente replicado de um gesto no meu quotidiano, mas antes numa exploração somente a partir do verbo. Recorri a acções que encerrassem o movimento, numa sequência de distensão - contração, apoiada novamente na repetição do gesto. Esta insistência permitiu outras contaminações, nomeadamente no arrasto das manchas no papel e ainda no meu próprio corpo. Por consequência, as fronteiras entre a performatividade e o desenho diluem-se e a categorização da peça torna-se fluida.
exercício 2
apoiar/// verter____
(apoiar; verter)
filme: Margarida Bastos
Na transferência destas duas ações aparentemente distintas - e que, tendo-me apercebido mais tarde, se complementavam de certa forma -, servi-me de materiais já existentes, conferindo-lhes novas narrativas: novas funções, novos pesos e formatos, etc..
Operacionalizar uma acção tendo em conta este conjunto de factores - descontextualizar objectos e acções, consciencializando-me em simultâneo do comportamento do meu corpo (músculos, gestos, movimentos) - permitiu-me adquirir outras percepções e ferramentas de resposta num contexto improvisado. A determinada altura, fui actuando em simbiose com o próprio espaço, ao qual recorri de forma intuitiva como apoio ao desenvolvimento da narrativa performativizada, servindo também como mote de exploração do último exercício.
exercício 3
riscar ; preencher
(riscar; preencher)
fotos: Professor Paulo Almeida
Escolhi uma garrafa de água (vazia) como meio riscador, e o chão como o meu suporte/"hospedeiro". Aos poucos, o espaço era delineado com uma tinta invisível, controlada, libertada de cada vez que inclinava o recipiente. Talvez se possa estabelecer aqui uma relação entre este último exercício e o desenho cego, numa proposta de subversão: apesar de ter o suporte visível diante de mim, a imagem resultante apenas pode ser especulada.
Face à sua invisibilidade, reitera-se a importância do ato performativo, potenciador de diferentes simbolismos. Por fim, este último exercício - talvez mais do que os anteriores - levanta questões sobre o registo, arquivo e presença da performance.