11.11.22

Francisca Costa, Retórica do Ato Performativo

O quê que autorrepresenta um individuo?

Que desvios posso eu fazer a essa forma de autorrepresentação?

   Realizei um conjunto de seis vídeos em que cada vídeo corresponde a uma ação que se repete no meu quotidiano. Captei os sons do momento bem como os movimentos em redor procurando vincar bem a falta de um corpo físico para interagir nos diferentes frames (cenários).

   Nos primeiros segundos de vídeo captei o momento de jantar em família que já é um ritual muito respeitado por si só na minha rotina, o momento em que posso partilhar um pouco do meu dia com aqueles que me são mais queridos e descontrair ao final do dia. Retirando-me da cena apenas conseguimos ver uma cadeira vazia, um prato com comida, um copo com bebida e as mãos de alguém que partilha uma história. Estes diferentes elementos são chave para todo o desvio pretendido, são elementos que vão deixando pequenas questões na mente do espectador.

   Na segunda cena vemos um chuveiro ligado, água a correr e o som da mesma, mas nada nos indica que está ali a presença de um corpo sem ser os conhecimentos adquiridos que temos de que um chuveiro ligado indica a presença de um corpo.

   A terceira filmagem é um sofá, onde se ouve o som de uma televisão e um balde de pipocas está pousado.

   Seguimos para uma filmagem bastante íntima onde apresento a minha cama, um lugar de conforto e que é apresentada com os lenções abertos, quase num gesto de abraçar um corpo (inexistente).

   Quase por último, temos então a panela ao lume a borbulhar, mas ninguém por perto e por fim encontramos um carro onde o lugar do passageiro está vazio.

   Em todas as situações criadas é sugerido ao espectador que existe ali um vazio que deveria estar ocupado por uma ação humana, mas que está em falta.

   Procurei que os ângulos das filmagens dessem ênfase ao pretendido nos vídeos e que se fosse criando uma certa ansiedade no espectador de saber o que se vai passar, se efetivamente algo se vai alterar. 

    Entramos aí no grau zero que seria por exemplo uma pessoa a cozinhar, mas onde ocorre um desvio- a panela está ao lume a ferver, mas a cozinha está vazia.

   O desvio ocorre pela mudança do estado natural das coisas, existe uma inadequação e uma discrepância clara entre o que seria esperado e o que realmente acontece.

   Analisando à posteriori o trabalho realizado crio que se trata de modo retórico de tropo projetado. No tropo projetado o desvio acontece quando apresentamos o oposto daquilo que queremos dizer e, neste caso, o exercício de autorrepresentação em nada faz referência ao corpo a que se refere, ao nome a que se refere, é nos apenas apresentado um conjunto de ações "vazias".

   Estas ações "vazias" são na verdade representativas de todo um dia a dia que, esse sim, representa uma pessoa em específico.

Há um lugar para a retórica no pensamento contemporâneo sobre as imagens e sobre os processos artísticos?

   O ser humano é naturalmente retórico e a prática artística está repleta de retórica. É essencialmente na retórica que está o cerne do questionamento e da reinvenção artística que é o elemento propulsor da criação.  É sempre necessário o grau zero, a isotopia, para através dos processos da retórica repensar as estruturas e se causar os desvios e estranhamentos- a alotropia.

   Não só existe lugar para a retórica no pensamento contemporâneo, como esta é a chave para os processos artísticos e a criação não se esgotar, no meu ponto de vista cabe-nos a nós artista contemporâneos utilizar a retórica como ferramenta de criação.