12.11.22

TRANSFERÊNCIA DE USO | Maria Inês Gomes

 

TRANSFERÊNCIA DE USO | Maria Inês Gomes

 

Partindo de uma lista de verbos, que descrevam ações do corpo ou de manutenção do mesmo, e de uma segunda lista que compila ações/verbos ligados ao léxico do desenho, foi proposta a realização de três exercícios que explorassem a descontextualização e transferência desses mesmo gestos para novos contextos/campos performativos.

 

Exercício 1


Transferência-de-uso de uma ação para os suportes e processos do desenho




 

Num primeiro momento, elegi o verbo lavar, como gesto/ação para transferir do campo quotidiano, para o campo do desenho. O ato de lavar, é geralmente ligado ao ato de cuidar e manter um espaço/um corpo, mas se pensarmos no ato literal de lavar um desenho, essa ação remeter-nos-ia para a sua destruição/degradação. Contudo, ao utilizar pigmento e um desperdício, e proceder ao ato de lavar uma folha de papel com o mesmo, produz-se um desenho/registo dessa ação. Esse ato repetido e frenético, gradualmente, foi ensopando e sujando a folha e produzindo ruído na mesma, sendo de seguida colocada num estendal improvisado para secar, como se de uma toalha se tratasse. Assim, cria-se uma antítese entre contextos, tornando o ato de lavar algo, uma ação de acrescento, e não de retiro; algo que não limpa ou purifica, mas sim que suja e contamina.


Exercício 2

Transferências entre duas ações de campos performativos distintos







Num segundo momento, foram escolhidos dois verbos não relacionados, um pertencente ao campo da manutenção do corpo – hidratar a pele – e um segundo pertencente ao campo da manutenção do espaço – engomar. Através da conjugação da ação de polos opostos, cria-se uma certa contradição para com cada verbo escolhido. O ato de passar creme no corpo, remete-nos para o ato de cuidar e preservar, bem como o ato de engomar, encaminha-nos num sentido de cuidar e preservar algo a um estado imaculado, contudo ao passar a ferro um corpo não o estaríamos a preservar, mas sim, neste caso, a queimar. Esta ação, pode também ser lida como uma busca focada pelo preservar da beleza, pois subanalisando a questão, genericamente a ação de preservar o corpo é muito vendida e publicitada à figura da mulher (ex: cremes para as rugas), bem como o passar a ferro é um ato doméstico, que conservadoramente, é também muito associado à figura da mulher-cuidadora/ fada do lar. Assim, ao realizar uma ação de cuidado/preservação com um objeto que a danificaria, pode-nos levar a refletir sobre a figura de cuidadora/ faz-tudo e como esta se pode prejudicar ao tentar cuidar de tudo.


Exercício 3

Redireccionamento de um ato associado aos meios do desenho







Num último momento, devíamos pegar num verbo/ ação conotado ao desenho e transpô-lo para um espaço físico fora do papel. Escolhi então o ato de gravar, neste caso com recurso ao buril, e transpus esse gesto para uma zona de terra do jardim da faculdade. Criou-se assim um ciclo de criação de linhas, como quem escava canteiros na terra, e da sua subsequente diluição, por meio da ação de limpar a sujidade que vai surgindo ao gravar algo. Num gesto repetido, a ação cria e apaga o próprio registo do gesto, deixando o local no seu estado original, pré intervenção. Um pormenor engraçado, registado no vídeo da ação, foi o surgimento de um fio de plástico branco à medida que ia gravando a terra. Este fio ia-se desenterrando e surgia do solo, como a materialização acidental da linha que se apagava a si própria.