1.11.14

Joana Patrão




(1) Transferência corpo-desenho
Partindo de um ato elementar do corpo – a respiração – procuraram-se modos de a tornar consciente através do desenho.
A tentativa de perceber a capacidade de um gesto invisível de se tornar imagem é então motivo de exploração, tendo sido procurada uma aproximação da respiração enquanto imagem (que se materializaria numa mancha) e a mancha do desenho que é aqui produzida com tinta permanente.
A dualidade entre permanência/impermanência e o ato contínuo e falhado de registo deram origem a diferentes momentos do exercício. Foi assim procurada uma aproximação progressiva da respiração ao desenho e consequentemente do corpo ao desenho.
No primeiro momento, há uma tentativa de transferência literal – a imagem do respirar é criada no acetato e tentada transferir para uma mancha negra previamente criada (com isto pretendiase que a imagem da condensação da água, criada com a respiração, agisse sobre o quadrado plano de tinta, alterando-o).
No segundo momento, é procurada uma aproximação através de uma película, pretende-se já não só tornar consciente a imagem da respiração mas o seu espaço (há inclusive uma tentativa de pintar esse espaço) sendo que esse é o espaço de uma imagem que se forma no interior do corpo, tenta-se aqui perceber o limite interior/exterior mais uma vez através da literalidade.
Por último, tenta-se condensar estes dois momentos, partindo da mesma mancha plana falada acima, a película é colocada nesta procurando com a inspiração criar um espaço, transferindo-o do interior do corpo para o desenho tendo ainda com isto a expectativa de formar uma imagem.
Apesar do pressuposto inicial, o exercício acabou por viver mais de um processo de tentativa e erro sendo que a consciência procurada tornou-se mais próxima do ato repetido do corpo e menos da imagem que este poderia formar.





(2) Transferência corpo-espaço
Tendo como pressuposto uma relação entre o corpo e o espaço, procurou-se uma relação de implicação entre estes. Assim, um ato desviado do corpo permitiria um gesto de manutenção do espaço tendo estes conotações associadas a dois campos performativos distintos. Apesar da não obrigatoriedade da produção de marcas esta foi procurada através do uso de uma película aderente.
Para além de funcionar como um registo da relação corpo-espaço permitiu ainda consolidar o ato associado a este espaço natural - ‘arrancar’: arrancar as ervas daninhas, limpar o que não faz falta. Uma relação paradoxal surge quando pensamos no modo de efetivar esta manutenção – o corpo, utilizado para pressionar, está ajoelhado numa posição facilmente remissível para a peregrinação.
Para além do paradoxo apontado, o facto de se desenvolver num espaço natural permite-nos fazer corresponder uma ideia de devoção direcionada para a natureza - ainda que a identificação desta natureza seja feita num espaço aparentemente insignificante ou pouco digno de ser tornado representação.
A delimitação de um espaço reduzido (cerca de 1,50 m por 60 cm) permite ainda uma repetição exaustiva - durante 30 minutos é percorrido o mesmo espaço, não se avança em nenhum sentido, o espaço escolhido não é ponto de passagem mas de sucessivas passagens, não há a pretensão de alcançar algo, mas de extrair uma imagem.
Pretendeu-se assim deslocar a relação corpo-espaço tentando perceber as dimensões do espaço do qual se quer produzir uma imagem através do corpo - o corpo é simultaneamente medida e agente.





(3) Transferência desenho-espaço
Neste último exercício procurou-se perceber de que modo se poderia expandir as linguagens do desenho para fora dos seus suportes. Há, assim, uma identificação inicial do suporte do desenho com a parede – enquanto folha em branco.
A delimitação da área de ação funciona através de um deslocamento de um campo de visão (desenhar o que consigo ver) para um campo de toque (desenhar o que consigo tocar). O momento inicial associa-se assim com uma relação estreita entre corpo e referente – o campo que a ser desenhado é correspondente ao espaço possível de abarcar com o meu corpo.
A escolha do referente/suporte dá-se através de uma procura num espaço exterior de uma manifestação natural (a humidade) e da sua remissão para um espaço exterior (paisagem) através da linha do horizonte. Esta linha é definida numa aproximação do corpo à imagem – estabelece-se pela linha dos olhos e pela amplitude do corpo.
O momento que se segue parte de uma associação com o desenho de contorno sendo que este é aqui feito a partir de uma linha física. Assim, a linha de contorno não é criada à medida que se desenha, é antes adaptada ao desenho, faz-se corresponder através do decalque da forma. Esta ideia é ainda remissível para mapa borgesiano (1:1) na correspondência direta com o real que opera.
Partindo da pretensão de contornar as formas e as variações resultantes da humidade o objetivo é, mais do que criar um desenho de contorno, o de utilizar o ato de contornar para
perceber. Esta perceção surge através de um exercício repetitivo de ensaio - a fixação torna-se quase impossível sem recorrer a meios exteriores ao toque (apenas funciona nas zonas de maior humidade, que permitem que a linha se funda com a tinta da parede – no restante a linha só existe na passagem, não se fixa).
Se pensarmos no que Maurice Blanchot nos diz: ‘ver é um contacto à distância’, o que se pretendeu aqui fazer é estreitar a relação visão-toque. O contorno deixa de ser o toque com o olhar transposto para o desenho para se tornar o toque não mediado, sem instrumento, jogando com a linha, o referente e o suporte no mesmo plano.