A linha enquanto traço de um movimento ondulatório
Utilização de processos de desenho na manutenção deste
movimento.
Capacidade da linha de produzir ondulações em si mesma.
As ondas são vibrações,
fronteiras alternantes inscritas no plano da consistência, como tantas
abstrações. A máquina abstrata das ondas.
in
Guattari e Deleuze, A Thousand Plateaus,
1987, p.252
Considerando
a condição simultânea de impermanência e mecanicidade, propõe-se a análise da onda
marítima a partir de dois regimes fundamentais, comuns a qualquer fenómeno,
apontados por Didi-Huberman em L'image
est le mouvant: “corpuscular (mecânico) e ondulatório (dinâmico)” (Didi-Huberman, 2004:16)
O
desenho assume um papel fundamental já que permite uma abordagem analítica e
uma consideração da fluidez própria da linha. O movimento ondulatório convoca
uma tentativa de sua captação de diferentes tempos - desenhar o fluxo temporal,
a linha que ‘escreve o tempo' (Petherbidge, 2011). A investigação apresentada
divide-se essencialmente em três momentos (não necessariamente sequenciais, já
que estes se vão afectando e sobrepondo): o desenho em tempo real, presencial -
que identifica a linha com a onda; o vídeo como modo de estender e parar o
tempo captado - análise através do diagrama; a utilização da repetição e do
decalque como modo de produzir oscilações que já não se referem às ondas mas
são próprias da linha desenhada - permitem manter o fluxo alternante contido no
motivo que representam.
1. Desenho
em tempo real
Na
assumpção de um desenho háptico, produz-se uma identificação
da onda com a linha: ambas comportam o ritmo, a alternância, variações
estruturais como apresentação de fluidez. Assim os movimentos da mão (visíveis
na linha que é traçada) procuram mimetizar o movimento da onda observada. Os
desenhos resultantes permitiriam uma experiência dupla - percorrer o
movimento do desenhador será percorrer o movimento das ondas aquando do desenho.
Para além da sua condição de
vestígio, a linha que é desenhada é, na visão de Gray, uma linha que se move (Gray, 1971:9).
2. Análise
em tempo diferido
Pretende-se que o método aqui
desenvolvido permita que haja continuamente mutações e novos pontos de análise
ao invés de estabelecer um modelo estanque. O desejo de estender o tempo,
contido no movimento da ondas é o de produzir um ‘confronto com um (...) ponto
infinitamente complexo na textura da realidade’ (Rilke, 1919).
Partindo
do vídeo ou dos desenhos feitos em tempo real, tenta-se produzir distensões
temporais, dissecando variações através do diagrama. Esta análise é assumida
posteriormente como pauta ou instrução - capazes de ser lidas enquanto
despoletadores de um novo desenho. Encontra-se aqui a possibilidade de gerar a
mesma onda indefinidamente - de cumprir contínua repetição da onda através do
desenho.
a. Desenhos a partir das
pautas/instruções
Partindo
das codificações feitas anteriormente e assumindo-se ‘a apreensão do movimento,
e a sua reencenação’ como
fundamentais para a prática do desenho (Ingold, 2007:129), procuraram-se encontrar modos
alternativos de reencenar o movimento.
Os
desenhos aqui feitos partem de um condicionamento prévio dos momentos do
desenho, isto é, o tempo de execução, a direcção, o número de inflexões a
produzir e a sua ordem. Apesar destas condicionantes tentou-se que o acaso
fizesse parte do desenho numa identificação com a aparente casualidade
existente nas ondas. Assim, os desenhos cegos funcionam através do accionamento
de uma imagem mental que sobrepõe uma rememoração da experiência da onda com a
tentativa de cumprir as condicionantes estabelecidas. A experiência do desenho
instruído funciona assim de um modo próximo da experiência do desenho
presencial, diferindo contudo no elemento despoletador e no elemento
restaurador que os regem. Os desfasamentos do tempo de execução
estabelecido e do tempo real de execução são registados.
3. Desenhos da superfície da água
O
grupo de desenhos que aqui se trata parte da repetição de três modelos
computacionais utilizados
para simular a superfície do mar apresentados
no artigo A Simple Model of Ocean Waves (Alain Fournier e William
T. Reeves, 1986). A repetição que aqui se leva a cabo
parte desejo de confronto entre as linhas gráficas e o erro resultante da marca
das falhas da mão - estas falhas vão sendo mais visíveis à medida que a
repetição afasta a imagem do referente inicial, amplificando cada tremor. Este
exercício permite produzir ondulações que não são já representações mas
resultado de pequenas cedências da mão.
Com a exploração levada a
cabo pretendeu-se perceber diferentes modos de utilizar o desenho como
mecanismo capaz de servir como manutenção do movimento ondulatório.
As duas vias exploratórias apresentadas apoiaram-se, assim, em duas
abordagens do desenho, por um lado ‘na ideia do traço corporal autêntico (...)
o encontro fenomenológico com o desenho’ (Ed Krčma, 2010:4) e na exploração que se funda na elaboração
mais literal de sistemas, signos e processos.
Pretendeu-se assim considerar diferentes processos como ‘concretizações
do tempo’ que o ‘atrasam, condensam e estendem...’. (Michael Newman sobre
Tacita Dean in Ed Krčma, 2010:7).
Sobre
a experiência aqui explanada é possível reconhecer a procura de uma relação com
a experiência Sublime que implica invariavelmente “uma relação transformativa
entre ordem e desordem, a ruptura entre as coordenadas de tempo e espaço”.
(Morley, 2010:19)
(1)