29.11.15

Marta Barreto

Instruções realizadas por Silvano Alves

(1) Instrução: desenha diariamente um desconhecido. 
Poderá ser rosto e/ou corpo inteiro. 
O suporte e material é à escolha. 



Figuras 1 e 2




Figuras 3 e 4


Abordagem do Silvano à instrução:
"Como suporte para os desenhos, escolhi um pequeno bloco A5 que me faço acompanhar diariamente. O material que utilizei para a sua execução foi lápis de grafite. À medida que ia desenhando os desconhecidos, comecei a questionar a abrangência da palavra “desconhecido”. Dei por mim a pensar que tipos de desconhecidos podiam existir e, desta forma, conclui que qualquer imagem que encontrasse de alguém  que não conhecesse (seja em fotografias, livros), também esses seriam a mim estranhos. Assim, optei por desenhar, não só pessoas que ia encontrando pela cidade ou em transportes públicos (figuras 1 e 2), como também a partir de imagens de representações de pessoas, achadas em livros de BD e livros de arte (figuras 3 e 4, respetivamente)."


A intenção desta instrução era colocar o indivíduo num lugar de inquietações, no olhar atento de alguém, na captação de alguém que desconhecemos. Por captarmos a essência de alguém num olhar rápido, num trajeto que fazemos ou numa passagem por algum lugar. Um movimento, um desenho inacabado. O desenho é aqui, nesta instrução, instrumento de um registo rápido, de um traço cuidado.




(2) Instrução: segue os olhares de quem está estático à entrada do pátio ao ar livre da faculdade. 
O olhar dessa estátua conduzir-te-à a outra estátua. 
Faz esse caminho de olhares entre estátuas e conta os passos que as distanciam. 
O teu pé que começa a contar os passos é o direito e terá de estar colado ao pé esquerdo da primeira estátua. 
Dentro do tempo estipulado, terás de ainda ter tempo para escrever algo sobre o que dizem os olhares das estátuas.


 

                   

     

Figuras 5, 6, 7, 8 e 9 respetivamente.


Abordagem do Silvano à instrução:
"Iniciei o meu percurso a partir da estátua correspondente à figura 5. A meu ver, esta apresentava um olhar de meditação, como se estivesse a contemplar a luz do sol de fim de tarde que a banhava. Na altura, trouxe-me à memória momentos passados na praia, sentado na areia ou até no cimo de algum rochedo onde observo e aprecio o mar. Nisto, apercebo-me que este olhar me orienta para um outro – o da menina com o cão (figura 6). O olhar dessa figura feminina transmitiu-me, de imediato, a inocência e a sinceridade características de uma criança que, num ato tão quotidiano quanto o de alimentar ou acariciar um animal, age da forma mais verdadeira, carinhosa, sem malícia. Se no lugar da criança se encontrasse um adulto, aí provavelmente se verificaria uma figura séria, sem qualquer cumplicidade, neutra para com o cão. Apesar deste último olhar não se encontrar dirigido para nenhum outro, a não ser o do animal, decidi seguir o caminho para o qual a estátua se encontrava dirigida. Isto levou-me a um terceiro local, onde se situa um nu feminino (figura 7). Não só o olhar, mas também a sua pose remeteram para uma espécie de passo de dança. A sua face parecia denotar concentração na ação (dança) que aparentava executar, alheia ao meio envolvente.

Continuando o percurso que me deveria levar a uma última estátua, apercebi-me que, à minha direita, os olhares de dois outros nus femininos intercetavam o meu trajeto (figura 8). Aparentavam uma atitude de soldado, bastante sérias e estáticas, nada satisfeitas com a minha “intromissão” no seu campo visual.

Por fim, atinjo a última fase desta minha jornada: uma estátua de dimensões bastante superiores às anteriores (figura 9). De olhar sério dirigido para a frente, longas vestes e segurando objetos (que não reconheci) em cada uma das mãos, assemelhava-se às estátuas ou imagens que, muitas vezes, se observam em tribunais e seguram balanças. Parecia ter a intenção de me julgar ou avaliar por algo que fiz, talvez para determinar se o trajeto que realizei fosse satisfatório ou não."


A intenção desta instrução era conduzir o indivíduo por um caminho delineado pelos olhares das estátuas. Caminho esse definido pelo individuo consoante a sensibilidade do seu olhar sobre a direção dos olhares das estátuas e as suas próprias vontades. O intuito era colocar o individuo por um caminho desconhecido, sem definição inicial, sendo construído ao longo do caminho. Olhar nos olhos de uma estátua era outro dos objetivos. Quando paramos e olhamos verdadeiramente para uns olhos frios, estáticos, sem vida? Colocar o indivíduo neste caminho leva-nos para o campo da nossa imaginação, da subjetividade. Seguir um caminho pelos olhares de uma estátua pode levar-nos para mundos diferentes, para imaginários longínquos ou para vazios e lugares inesperados.