2.12.16


Faz alguma coisa.... um desenho e um não desenho

 Instruções de Sandra Laranjeira para Caroline Silva Cruz


   Ambas as acções desenhar ou realizar uma acção não desenho tinha uma única folha de instrução, e para complementar objectos com disposição ordenada numa mesa pequena, desde o inicio o processo de interpretação num recorrer da memória era invocado. O meu objectivo era dar o mínimo de informação e o "máximo" de hipóteses de dialogo, embora fosse um pouco forçado, pois estava a mandar, num tom imperativo "faz alguma coisa..."
  Deste modo ao saber que o exercício era composto por duas acções, o responsável pela sua execução, neste caso a Caroline, conseguiria resolver a situação?  faria só uma acção? ou levaria a pensar que a instrução só se referia a uma acção e eu me teria esquecido da outra?   

Teatro das mãos e acção da memória 

  Num cruzamento entre o háptico e o óptico o ser humano cria memórias, imagens, e possíveis pequenas auto-instruções, “o corpo, lugar de soberania do sujeito, é a primeira matéria da sua ligação com o mundo” (Le Breton). Essa memória vai nos ajudar (ou não) a puder responder com maior eficácia ao que nos é pedido ao longo da nossa vida. 

O corpo é via de acesso à arte, 
e constitui-se como numa experiência artística, 
e a arte é também uma via de acesso ao corpo, e constitui-se como uma experiência corporal. Corpo cria a arte, e a arte cria o corpo.  (Correia, 2014, p. 7)

    Ao dar as instruções a Caroline coloquei-a perante um problema, e os resultados seriam sempre à partida únicos, podendo mesmo chegar a ser inesperados, porque as nossas acções são sempre resultado das nossas vivências, num determinado contexto social, histórico, cultural e pessoal. Pensar num resultado fechado seria apresentar uma falácia, embora perante o contexto mais ou menos comum: aprendizagem e produção no campo artístico; ambas sabermos o que "deveríamos" produzir; e a priori formos introduzidas para o problema sobre a aplicação da instrução no âmbito da performance; essas condicionantes levariam aproximar me de um possível resultado.  
   Assim o primeiro exercício, instrução para uma acção que não produzisse desenho, realizada na faculdade, obteve um resultado mais ou menos esperado, eu inicialmente pretendia que os utensilios fossem utilizados na sua totalidade, algo que provavelmente eu faria. Contudo a Coraline, sujeito único, respondeu conforme a sua zona de conforto. 
    Neste exercício estavam escondidas pequenas perguntas: perante utensilios ligados à arte (pastel de óleo, tinta da china, lápis de grafite e borracha) poderias deixar de produzir desenho?  e como utilizar outros utensilios (lixa e pregos) fora da sua área de actuação?  Relembrar seria jogar com a memória.   Ao longo da nossa vida foram nos ensinando, ou nós observamos, para que serve determinado objecto, para não acabarmos como a sereia Ariel a não saber para que serve um grafo, o objecto tem a sua história, e a sua própria evolução no campo social, cultural, prova disso foi a "subida" de categoria para obra de arte de urinol. 
   Existe um pedido por parte dos objectos,  para que o corpo actue de certa forma, assim para puder fazer alguma coisa com esse objecto tem que sentir uma certa empatia e conhecimento. O desabafo por parte da Caroline, "Nunca trabalhei com gesso"3, embora soubesse que aquilo era gesso sem eu dizer nada, estava à partida a diminuir o à vontade para a produção, mas não minimizou o interesse do resultado, para mim foi relevante observar no primeiro video, aqui apresentados frames, como ela sentia o gesso, cheirava, olhava para a sua forma, as suas particularidades, cada um com uma moldura interna mas com características diferentes, onde cada placa de gesso era única.   
   "Ver aquilo direitinho, dava medo que fazer alguma coisa", esta frase, dita por Caroline, trouxe a confirmação de que a ordem física para realização de uma acção, por vezes, faz com que a pessoa encrave,  antes de agir pense, vá buscar a sua memória o que pode fazer na situação que lhe é apresentada. Somos seres apesar da sua busca pela "racionalidade", da ordem, da simetria, tendemos a submergir na desordem.
  Tudo isto levou a um determinado resultado: perceber o material; movimento das placas e do  restantes materiais, numa procura de tornar o espaço mais "cômodo"; criando movimentos e jogos de mãos. 

Las manos de Rodin fueron sus principales herramientas; 
con ellas palmeaba, golpeaba, agujereaba y alisaba, 
haciendo que se ondularan tanto las curvas como las lineas retas,
(...) dando fuerza y voluntad a la escayola y haciendo que la piedra 
fuera etérea y cobrara espíritu
William H. Gass 
(Pallasma, 2012, p. 119)  

  Esse movimento perante a câmara, onde esta ao aperceber-se de um agente e tenta "dividir" a sua atenção entre ele e o espaço. bem como o resultado do escavar no gesso, leva-me a deixar aqui presente, para não me prolongar mais, a seguinte pergunta: Será que no final não se produziu um desenho? 







Frame do video disponível em https://www.youtube.com/watch?v=EKXmrOeQb5U





  Arte é um furto - Pablo Picasso 


   Perante o que foi anteriormente dito e feito, o resultado desta acção de produção do desenho foi uma fuga para a tal zona de conforto, estando este trabalho mais relacionado com os interesses da Caroline, por isso para mim o resultado foi inesperado e satisfatório, na aplicação estrategias de sobreposições, de desconstruções, havendo um pequeno "furto" das minhas instruções para a criação de uma nova instrução. Ela aplicou no trabalho, a ideia de sequência, e toda a lista de palavras que eu sugeri: enche, clarifica, persegue, desfoca, risca, cima, ouve, baixo e recolhe. 
   Ela recolheu tudo num livro, onde o quadrado é a estrutura, o formato do desenho, o que desenha, aqui o quadrado é idealizado, " Nesse trabalho a grelha ou o quadrado não serve só como estrutura que sustenta um desenho, ela é o desenho... a obra em si". 
Numa tentativa de perceber o seu pensamento, e para confirmar as minhas "suspeitas", ela revelou me que: o seu "trabalho de atelier é sobre sistemas, a redução das coisas a uma unidade de medida, conceito de dentro/fora pontos de vistas", " a ideia de como transferimos um espaço real para um espaço abstracto, por exemplo o desenho. Seja mapas ou plantas arquitectónicas o quadrado, ou a grelha surge como um elemento importante ... por isso usei muito o quadrado como forma nos meus trabalhos..."  

Criação de uma instrução para a instrução 

 
 Dialogo com a anterioridade 


Clarificar

Persegue

Desfoca

Cima - Risca

Ouve - Baixo
Ouve - Baixo (contra-luz) 


Recolhe

Enche




  Assim, não será errado indicar, que nós fazemos as coisas de forma automática, devido a esse conhecimento prévio, o qual nos deixa à vontade, e onde a existência de momentos de reflexão, desconstrução, fuga ao comodismo, ao que é cíclico, ao tentar relembrar, permite chegar a momentos  de descoberta e (re) inovação. 


1 CORREIA, Vitor. Corpologias Volume I: o corpo huamno e a arte, (Lisboa, Sinapis,2014) 
2 PALLASMA, Juhani. La mano que piensa. Sabiduría existencial y corporal en la arquitectura. traducción de Moisés Puente.- Editorial Gustavo Gili, 2012 

3 Como refere E. H Gombrich em Los usos de las imagenes, "No tengo intención alguna de criticar estas diferentes instrucciones, sino sólo de señalar que el tipo de enseñanza que pretenden impartir no es tan fácil de conseguir si uno no lo ha hecho nunca.", ver fazer ou ter acesso a uma aprendizagem não é a mesma coisa que saber fazer. O corpo tem que interiorizar acção pelo fazer.