2.12.16


Sandra - Caroline

Instruções de Sandra Laranjeira para Caroline Cruz


FAZ ALGUMA COISA...UM DESENHO E UM NÃO DESENHO



Ao receber as instruções, meu pensamento imediato foi de que instruções muitas vezes podem remeter a “regras”. Essas regras vêm associadas diretamente a noção de controle e este fator me fez lembrar das regras básicas de Gestalt que aprendi na faculdade de design. A palavra Gestalt, em alemão, significa “formato ou forma” e o dicionário Oxford define Gestalt como sendo “um todo organizado que é percebido como mais do que a soma de suas partes”. Usei esta definição como uma base para as soluções gráficas que encontrei para interpretar as instruções fornecidas por Sandra.
As instruções são apresentadas como verbos que seguem em sequência e a palavra “relembra” está posicionada ao seu lado. Logo percebi que eu haveria de interpretar o seu significado, seja como uma aglomeração que representa um conceito só ou como ações individuais que se sustentam sozinhas. Devido à ordem e a organização das palavras, logo as associei a algo cíclico e repetitivo (de caráter temporal, talvez), uma descrição abstrata do “ato de relembrar” bem como ao processo de concepção de uma ideia. Além das instruções, foram apresentadas ferramentas diversas de desenho e placas de gesso, em sequência, como sugestão na hora da execução. Eu optei por não utilizar as ferramentas sugeridas e preservei somente as instruções escritas como referência tanto na execução quanto na escolha das ferramentas de desenho mais apropriadas para cada verbo.
Para definir uma abordagem metodológica, decidi interpretar os verbos individualmente, na forma de uma sequência que começa a partir de “ENCHE” - com o preenchimento total de uma área em branco com tinta spray - e termina em “RECOLHE” – com a reunião de todos os desenhos criados e o reaproveitamento de um dos estêncis usados a fim de determinar o fechamento da área do quadrado. Alguns destes verbos foram utilizados juntos a fim de se estabelecer uma ligação entre eles e criar um novo significado a partir desta “desconstrução ou quebra” da ordem dada pelas instruções (como uma linha de pensamento que se interrompe).
Assim, estas ações foram representadas graficamente na forma de desenhos esquemáticos sobrepostos uns sobre os outros, usando o formato de um quadrado (janela, quadro, moldura) como base. Cada verbo foi interpretado e representado individualmente e estratégias como o uso do acetato foram usadas para reforçar o conceito de integração e justaposição, sendo reunidos para formar um conjunto maior.
No final, percebi que interpretei o ato de “relembrar” como uma extensão de práticas que estão fixadas na minha memória, e estas foram aplicadas (de maneira consciente ou não) enquanto produzia estes desenhos. Estes desenhos são um reflexo da minha própria interpretação do processo de construção de uma memória ou ideia, além da aprendizagem agregada a estas experiências adquiridas, que se fixam à memória, pois recorri a conceitos que já conhecia para encontrar resultados práticos.

Instruções criadas para realização das instruções

EXECUÇÃO NA ORDEM


ENCHE

CLARIFICA

PERSEGUE

 DESFOCA

RISCA/CIMA

OUVE/BAIXO

RECOLHE



ÁLBUM



álbum montado começando por 'recolhe'



 Detalhe de 'ouve/baixo'


 Detalhe de 'risca/cima' 


Detalhe de 'desfoca'


 Detalhe de 'persegue'


Detalhe de 'clarifica' e 'enche'



Caroline - Sandra

Instruções criadas por Caroline Cruz para Sandra Laranjeira

TRANSFERÊNCIA ACTO-IMAGEM


INSTRUÇÕES PARA NÃO SER VISTO NEM OUVIDO



Nesta instrução pedi que a pessoa que fosse executá-lo fizesse um registo de si mesmo de modo que esteja presente porém camuflado na cena, "não ser visto nem ouvido". A ideia de visível e invisível pode ser interpretada de múltiplas maneiras diferentes e, nesse caso, não ser ouvido está associado ao pedido específico do uso da fotografia como técnica de registro, já que é o fragmento da captura de um momento transferido para uma superfície na forma de uma imagem (sem sons ambientes). O ser que se camufla não só está presente como intencionalmente esconde-se e se mescla com o ambiente como um fotógrafo que não quer ser registrado e não quer ser o objeto em destaque. O papel do fotógrafo, aqui, é fazer-se presente sem ser visto. 

Na situação I, Sandra fez um vídeo onde podemos vê-la caminhar para dentro da cena e se posiciona até desaparecer, se camuflar com o cenário. A fotografia retirada do vídeo mostra dois momentos, em um a vemos e no outro não. Se só considerarmos a imagem em que não a vemos, há a dúvida de se ela realmente estava no local. Como temos outros registros, como o vídeo, podemos concluir que ela está, de fato, presente na cena. Na situação II, Sandra se posiciona atrás de um muro e faz um registro do seu ponto de vista, que mostra um prédio. As imagens retiradas do vídeo mostram como não só Sandra se esconde, como o prédio que vê também está bloqueado pelas silhuetas de um muro, de árvores e vegetação que se mesclam e dão origem a uma só estrutura, formada pela escuridão.



SITUAÇÃO I




Imagens retiradas do vídeo



SITUAÇÃO II



Imagens retiradas do vídeo






 TRANSFERÊNCIA IMAGEM-ACTO


RITUAL PARA PANDORA



Nesta instrução, a menção ao mito de Pandora serve de inspiração para a elaboração de uma espécie de “baú” que armazena medos. Pedi que, após ilustrar estes medos, a caixa fosse lacrada de forma que seja de difícil abertura. As instruções foram construídas no formato de uma prática ritualística, como uma espécie de “terapia de desabafo” e incentiva a projeção (na forma de desenhos) destes sentimentos que mantemos presos e escondidos dentro de nós mesmos. A caixa, nada mais é, que uma metáfora para a opressão destes sentimentos que muitas vezes são desconhecidos e tratados como segredos.
Sandra decidiu interpretar seus próprios medos traduzindo-os para o formato de símbolos ou códigos que somente ela sabe decodificar. Ela não só fez os desenhos como incluiu objetos, como uma moeda brasileira e uma faca de corte, que carregam grande significado pessoal e transmitem-no para a obra de maneira mais concreta que uma representação pelo desenho. Acredito que esta tenha sido a maneira que ela encontrou de executar o exercício sem precisar expor muito um lado de si que quer manter oculto, porém o conjunto apresenta-nos de forma única às experiências de Sandra e nos dá uma chance de conhecer uma parte da sua história pessoal através de uma linguagem que carrega em si a personalidade da artista.