2.12.16



O ser que se esconde ...  

Instruções de Caroline Cruz para Sandra Laranjeira 



INSTRUÇÕES PARA NÃO SER VISTO NEM OUVIDO

   Para mim já é natural estar no meu cantinho, sem incomodar ninguém, onde a minha presença passa despercebida, um estado de camuflagem. Para facilitar a empatia com esta instrução, este conceito é me familiar, sendo termo que costumo com bastante frequência trabalhar, juntamente com o conceito de invasão. Apesar de não referir como local de camuflagem o jardim, o meu gosto por este, a sua vegetação, ambiente, o qual "habito" a mais de 4 anos, levou automaticamente a ser a minha primeira escolha. Poder realizar a instrução trouxe-me a memória sempre momentos de reflexão e de relaxamento. 
   Ao longo dos anos, foi me apercebendo que o meu contacto com o jardim tinha diminuido, e ser "obrigada" a permanecer lá foi do meu agrado. No primeiro dia simplesmente mantive imóvel, silenciosa, junto a uma arvore, a escuridão permitia-me não ser vista nem ouvida.  Vendo a facilidade desta tarefa a esta hora, pois a noite é sempre um bom momento de fuga, onde o escuro, o negro absorve a existência, realizei a tarefa durante o dia. 
   O movimento do jardim era diferente, as pessoas estavam mais activas, olhavam mais para o interior do jardim, já não se interessavam só pelo caminho que pisavam, contudo penso que consegui passar despercebida, a minha roupa não era chamativa e minha presença era natural. 
   Nestas acções eu era sempre a portadora da câmara, eu tinha controlo da visão e estava sozinha, e uma tentativa de perceber esta instrução de outra maneira, "ao pedido específico de se tirar uma fotografia", eu pedi alguém para me tirar foto e filmar  a esconder, para provar essa existencia invisível, ver para crer como São Tomé. 


RITUAL PARA PANDORA



   Medo? Eles agem sobre as nossas acções e pensamentos, eles tornam-nos quem somos, revelar esses segredos colocam-nos em constante desconforto, só os mostramos a quem é nosso confidente. 

   A minha personalidade e vivências nunca me levaram a ser pessoa muito aberta, tenho a minha caixinha interior de medos, e para transmitir essa fechamento decidi realizar desenhos codificados, jogando com a simplificação das formas, que em vez de tornarem mais acessíveis e claras ainda complicam mais uma leitura, pois o tal código é pessoal.  
    Como um capricho dos Deuses que ofereceram Pandora a Epimeteu, a opção por utilizar alfabeto em braille foi um jogo entre o ver e o sentir, um cego ou alguém com conhecimento em braille tem avanço para tentar descodificar os medos, e também ir buscar o signo gráfico ponto para criar um dialogo entre palavra e desenho. Pontos para quem não percebe são simplesmente pontos. 
   Dentro da caixa não coloquei  unicamente elementos com cargas negativas, como a esperança deixada na caixa por Pandora, eu coloquei uma moeda com conotações pessoais positivas, para que esse coisa boa dure, e o seu significado fique fechado na caixa, ela não serve só para guardar medos, memórias que nos provocam dor. 


   Receber estás instruções foi com voltar ao meu eu, na primeira a procurar da naturalidade e na segunda um repensar.