1.12.16

SEMINÁRIO 2: TRANSFERÊNCIA-IMAGEM-ACTO [Gabriela César]

PARTE 2
Instrução para a realização de outra ação (que não um desenho), a ser executada no espaço da faculdade, durante o seminário

Instruções de Gabriela César
Realização de Daniela Lino

Nossa primeira problemática quando confrontados com uma instrução: vamos seguí-la ou não? Muitas vezes a participação acontece somente no momento da leitura, pois há peças absurdas ou irrealizáveis se tomadas literalmente. As instruções impossíveis, por se aproximarem dos poemas, deram-me a ideia de fazê-lo em um sentido mais literal, mas de maneira invertida — transformar um poema (ou poemas, neste caso) em uma instrução de ação. A instrução impossível de ser executada é realizada no plano da imaginação, e explora o momento entre a hesitação e a especulação sobre como esse ato seria possível.

Em "A partir dos poemas de Alberto Caeiro", utilizei algumas das ações descritas pelo eu-poético de Alberto Caeiro no livro "O Guardador de Rebanhos". A primeira etapa de elaboração foi me transportar para dentro da poesia de Alberto Caeiro, para o espírito que habita as montanhas e não pensa em nada — e depois tentar transformar este narrador poético em ações — quais ações se poderia executar para tornar-se este mestre zen?

A partir dos poemas de Alberto Caeiro
Colha os prédios como flores para enfeitar a sua casa. Semeie as nuvens com a sua tristeza até que elas possam chover. Transforme seus pensamentos em um rebanho, guarde-os todos. Sinta a natureza. Se comova.

O uso de imperativos sugerem uma ordem, uma hierarquia típica não somente das instruções, mas também das práticas meditativas ("inspire", "expire" etc.). O impraticável de colher os prédios, semear nuvens e ter os pensamentos como rebanho fazem a ligação entre a vida cotidiana citadina e o espaço onde habita o eu-poético de Alberto Caeiro, assim como a sua profissão de pastor. Ao entregar as instruções para Daniela, não tinha expectativas de que ela realizasse uma ação de fato, pois tinha em mente que o pedido impossível/poético que ela tinha à sua frente não necessariamente pedia por uma ação real, mas poderia se inscrever no espaço mental e imaginário da artista. As ações imaginárias, como prevê Sperlinger (2005), brincam com o desmantelamento das ações cotidianos, invertendo ou brincando com o que é esperado delas — não se colhem prédios, não se semeiam as nuvens, os pensamentos não são um rebanho. Da mesma maneira que as falas imperativas da meditação solicitam, guardar os pensamentos é conseguir um controle sobre eles muito difícil de se obter, da mesma maneira que sentir a natureza e comover-se são imperativos para estados subjetivos que não necessariamente o leitor têm um acesso cotidiano tão direto. A natureza destes atos não necessariamente precisa ser revelado aos outros, e não precisam de fato serem realizados em qualquer outro lugar além da mente de quem os lê.



Daniela, após a leitura das instruções, pôs-se a escrever por cerca de cinco minutos sem pausa. Quando perguntei por que ela resolveu escrever, ela disse que a instrução a remeteu ao tempo em que era adolescente e costumava escrever compulsivamente, principalmente quando chovia ou quando estava triste, e esta instrução a remeteu a esta época. Exigir o impossível de uma audiência tem a capacidade, para Sperlinger (2005) de fazer esta mesma audiência questionar a falta de significado da ordem política e social vigentes. Daniela não agiu conforme o esperado — também porque eu não esperava nada dela — realizou uma ação a partir de uma instrução absurda, remetendo para sua memória o lugar onde aquilo deveria acontecer. A linguagem não necessariamente deve permanecer a mesma, mas, como linguagem, está sujeita à tradução de quem a recebe. Talvez, para Daniela, a escrita seja uma maneira de guardar os pensamentos como ovelhas em um rebanho. Seu dicionário interno e memória operam em níveis que eu não tive como prever. O resultado da escrita só pertence a ela. Não cabe a mim avaliar o texto como o resultado da instrução dada, e sim o ato de escrever e a re-encenação de uma memória. Dessa maneira, creio que a instrução foi feliz em encontrar uma maneira de ser realizada duas vezes: no plano mental, em que se imagina o ato; e como gatilho para um segundo ato de escrita. Muito embora esse não fosse o seu objetivo inicial (não esperava que a pessoa realizasse ação qualquer ao ler minhas instruções), tirou minha espectadora da inércia e levou-a de volta no tempo.

Bibliografia
SPERLINGER, Mike. (2005). "Order! Conceptual Art’s Imperatives". In SPERLINGER, Mike (ed.) (2005). Afterthought: new writing on conceptual art. London: Rachmaninoff’s, pp. 1-26.