1.12.16

Esperado e Apresentado // Transferência Imagem-Acto

De: Clara Silva
Para: David Lopes



Através de instruções submetidas a processos de entendimento e transformação, deparei-me, tanto pela minha parte como pela do David, com resultados que vão de encontro ao pedido mas não às possibilidades imaginadas de quem ordena; embora soubesse que dificilmente o esperado fosse o apresentado. Como escreve Sperlinger:


“[about Fluxus] The apparently simple model of a set of instructions often served as a kind of shorthand to foreground issues including individual agency, authority, language, the realisation and recording of the artwork, and, not least, the possibility of failure.” (2005, p. 7)

“[about "Chimney Piece of Yoko Ono"] Often the instruction are like ‘thought experiments’, where even if a course of action is being suggested it seems more like an invitation to follow a train of thinking”. (2005, p.8)


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Instrução Não-Desenho 

A minha Avó dizia-me que se eu apontasse para as estrelas, que me nasceriam cravos nas mãos. Por outro lado, a minha Mãe explicou-me que isso era só uma forma de fazer com que eu não apontasse, pois "apontar é feio". Partindo deste pressuposto, e tendo como referência o Arenque Fumado (http://www.andredaloba.com/portfolio/arenque-fumadosalted-herring/) transformei a leitura da própria instrução num desvio visual, que tem, igualmente, como referência, a poesia visual.

A minha intenção era, sem contar ao David o que me levou a escrever a instrução, ver o rumo que ele tomava: transformaria a instrução em algo relativo mas diferenciado do gesto de apontar? Pegaria nos cravos como flor (o que eu sempre achei pouco provável)? Reconheceria a ligação popular?

O resultado foi muito interessante, visto que o David fez uma pesquisa, da origem do acto de apontar para as estrelas como algo de errado, tendo encontrado a origem da indução da proibição deste acto: 

De raiz judaica, as crianças apontariam para a primeira estrela a aparecer no firmamento (o planeta Vénus, na verdade). Quem apontasse primeiro seria honrado com a admiração dos mais velhos, podendo até encontrar algum presente. Como este gesto o denunciava como judeus, inventaram a consequência dos cravos/verrugas para os impedir de serem identificados.

Na verdade, a estrela mais pequena identificada é a 2 MASS—JO523—1403.
Na tentativa de a encontrar, o David subiu ao ponto mais alto da faculdade (as escadas de emergência do Pavilhão Sul)(ver imagens).









Conjunto de figuras 1. Um poema com distintiva e única intenção perceptiva, e o seu resultado, com as mesmas características. Nas palavras de Sperlinger, conduzidas por Raoul Vaneigen: "(...)as the Situationist Raoul Vaneigen wrote (...) “poetry rarely involves poems these days”: poetry is no longer a privileged form of literacy language, but instead an ethics of perception. " (Sperlinger, 2005. p.6)


Bibliografia e Webgrafia do David:


TAVARES, Dámaris. “Costumes brasileiros exportados do judaismo”. Segunda-feira, 19 de Fevereiro de 2007, 13:37. Web, 17 de Novembro de 2016, Disponível em: http://eduplanet.net/mod/forum/discuss.php?d=4289 

SciShow. “The Smallest Star in the Universe”. Online video clip. Youtube. Youtube, 02 de Novembro de 2014. Web 17 de Novembro de 2016. Disponível em:http://www.youtube.com/watch?v=WyVim2FG_A8&t=16s




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Instrução Desenho


Um pack especial: um boné com problemas de identidade (um chapéu), uma folha A4 e uma folha quadriculada preenchida com letras (uma em cada quadrado);
Uma instrução especial: escrever um drama mexicano com animais, cujas designações (peixe, gato...) corresponderiam à sua construção com o início da letra (todas recortadas directamente do enunciado) que caísse mais longe do David aquando o posicionamento do "boné" na cabeça (um uso do chapéu por dia, durante uma semana, um animal diário).
A intenção: a escrita e ilustração de um drama mexicano em que as personagens fossem animais.

Considerando-se como diversos animais, o David autorrepresentou-se, com o chapéu, através de metáforas visuais. Assim, construiu os animais com base no pack que lhe foi dado. Deste modo, em vez de utilizar o boné como mero objecto intermediário da acção, tornou-o parte dela. Uma instrução externamente visual, tornou-se internamente (conceptualmente) realizada.







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Todos estes actos, assim, passaram pelo Processo de Desaparição, apresentado por Peggy Phelan: os actos desapareceram; só há meros registos que relembram o acto, mas nunca o trarão de volta (ao contrário do que defende Auslander).

Fica a memória.

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Bibliografia para comentários:



ALMEIDA, Paulo Luís (2013). “Desenho Protocolar: Inscrevendo a acção, a partir de Gunter Brus”. In PSIAX, 2, série II, Porto



ONO, Yoko. ([1964] 2000). Grapefruit. New York: Simon & Schuster.

(Posteriormente, note-se a relação com: 

"A PIECE OF ORCHESTRA


Count all the stars of that night
by heart.
The piece ends when all the orchestra
members finish counting the stars,
or when it dawns.

This can be done with windows instead of stars."

1962 summer)


PHELLAN, Peggy (1993). "A Ontologia da Performance - Representação sem Produção". in Monteiro, Paulo F. (ed.) (1998). Revista de Comunicação e Linguagens - Dramas. nº 24. Lisboa: Cosmos


SPERLINGER, Mike. (2005).”Order! Conceptual Art’s Imperatives”. In SPERLINGER, Mike (ed.) (2005). Afterthought: new writing on conceptual art. London: Rachmaninoff’s, pp. 1-26.