31.3.20

RETÓRICA DO ATO PERFORMATIVO


we have learned nothing from history




Luz de sinalização branca de bicicleta

Para o exercício de uma possível auto-representação, optei por recorrer ao acto da escrita de uma frase, que entendo como grau zero e ao acto da dança munido com um ponto de luz, como desvio desejado. A atmosfera musical é envolta por uma das músicas mais corrosivas da artista inglesa Kate Tempest (n. 1985). A sua enérgica e vertiginosa música – Europe is lost (2015), é uma diatribe a um mundo civilizado consumista, racista, adormecido e de extrema pobreza: (...) All that is meaningless rules / We have learned nothing from history / The people are dead in their lifetimes / Dazed in the shine of the streets (...).
Ao transpor esta spoken word para dentro da minha intenção de um acto performativo, e inserida no contexto da realidade de pandemia presente, acaba por se tornar num grito em surdina e sem reverberação.
O ato de escrever a frase We have learned nothing from history, de Tempest, parte de um cenário banal e estável, numa frame doméstica. O relato, pela sua voz, e a força da mensagem, faz, no entanto, transparecer um iminente latejar. No progredir da música, a ruptura, segundo a minha perspectiva, dá-se com o movimento corporal associado à luz. Sem ter formação académica de dança, desde cedo que nutro uma relação íntima com o acto de dançar. Este passou a ser, sobretudo, um acto de catarse em momentos de tensão. Ao introduzir pela primeira vez o elemento de luz, remeto-o para a infância, para as memórias do brincar com o fogo, elemento muito presente no quotidiano da época. Enquanto danço e movimento circularmente a luz pontual, projectando-a no meu corpo e no espaço confinado da sala privada, existe uma dualidade entre o naïf e uma realidade crua. Platão, na Alegoria da Caverna, exemplifica o ser humano confinado à escuridão de uma caverna e estagnado na sua ignorância. E se em liberdade, olhasse para a luz, sentiria dor e procuraria refúgio na sua antiga condição e conforto nas sombras projectadas pelo fogo que arde, longinquamente, nas suas costas. A luz é a representação da verdade e do conhecimento.
A vontade de um acto de libertação, sair de si e da sua clausura física, é projectada numa rotação centrífuga, de dentro para fora. Estes movimentos rápidos e contínuos, vão criando círculos de luz no espaço, que acabam, contrariamente, por nos circunscrever num ciclo indeterminável, marcando ainda mais os limites de uma individualidade. Este constante movimento cativo no seu lugar é assim, similar à realidade que Tempest nos relata na sua música.

Estes movimentos não obedeceram a uma coreografia, mas são gestos espontâneos e sentidos pela letra e pelo ritmo da música. O conjunto de imagens em movimento captado é mais extenso do que o apresentado, daí a necessidade de fazer alguns cortes na sua edição. Fica a vontade de repetir este exercício em modo contínuo.



Tempest, K. (2016). Europe is Lost / Let Them Eat Chaos.
Platão. (514a – 517c). A República. Livro VII.