2.4.20

Retórica do ato performatico | Derek Orlandi


O exercício intitulado “Sofa Yoga” trás um primeiro momento dessa pandemia em que num instante somos forçados a estar em casa e frear a vida. As incertezas e inseguranças do vírus deixam a população ligado aos meios comunicativos em busca de informações atualizadas sobre o vírus. Em meio a tudo isso, há o entretenimento da média social que busca se aproveitar do tédio domiciliar para aumentar as “curtidas” e as “inscrições” nos canais do YouTube. Uma série de conteúdos do YouTube “Faça você mesmo em casa” foi a inspiração para realizar a performance “Sofa Yoga”. Em um simples ato performativo de sentar em um sofá durante 30 minutos, foi registrado uma série de movimentos de consideração natural ao meu corpo. Nesse período de tempo , houve a tentativa de acelerar a noção de tempo fazendo poses aleatórios, ao mesmo tempo tentando perceber as relações do corpo com a mobília. De primeiro momento, a autorrepresentação grau zero havia sido realizado sem ambiguidades, eram movimentos naturais de uma pessoa em quarentena que havia assistido vídeos de yoga online. Mas ao perceber melhor o contexto pelo qual o ato tomou parte, me veio algumas questões críticas a respeito dessa performance. Entre as várias perguntas que vieram em mente, a mais impactante, “Quem sou eu na pandemia?”, me fez refletir sobre as condicionantes impositivas do capitalismo sobre o trabalhador pobre. Num sistema de hierarquias de desigualdades, quem seria o privilegiado que poderia fazer yoga em casa. Percebi que havia um reajuste do ato performativo em relação ao momento histórico vivido, um ato em paralelo comparativo e crítico.


O exercício intitulado “batalha” foi uma tentativa de criar desvios de substituição sobre os objetos utilizados numa brincadeira. Com a pandemia crescente, haviam indícios de um conflito travado entre a sobrevivência e o trabalho. Por muito tempo para poder sobreviver era necessário trabalhar, mas em questão de semanas, todos estavam confinados em casa e sobreviver e trabalhar não apresentavam mais relações visíveis. Não sabendo ao certo quando a pandemia iria terminar, há uma noção entre os conflitos daqueles que não podem trabalhar para comprar comida com aqueles que podem. Do conflito entre o abastecimento dos supermercados e das farmácias com a impossibilidade de trabalho por conta do vírus. Os desvios dessa performance recriam um conflito visível encenado em uma brincadeira, substituindo as características e funções dos objetos dispostos pela mesa, que é visto como território. A sobrevivência, retratado pelos temperos e os talheres agora são soldados e os veículos de guerra e as louças e pacotes dão uma escala para um contexto urbano da comida. Na sua oposição vemos o trabalho, os materiais escolares juntos formam o exército opositor e os livros entre outros objetos complementam o cenário urbano.

Por fim, no exercício intitulado “censura” que foi realizado após a aula do dia vinte e sete de março, um desenho performativo com a intenção de demonstrar os desvios de ocultamento da retórica. O presidente do Brasil Jair Bolsonaro, se elegeu em 2018 com a promessa de que iria transformar o Brasil num país economicamente forte. Para isso, o candidato na época se utilizou de estratégias de manipulação de dados e informações para espalhar medo e revolta contra o governo de esquerda. Essa tática o levou ao sucesso e desde então temos visto um presidente que se diz sempre certo ao se contrariar ao mundo. Com a pandemia, isso se tornou mais evidente que as queimadas na Amazônia, chamando o vírus de “gripezinha” e mandando todos continuarem suas rotinas de trabalho normalmente. Fez de tudo para distorcer as perturbadores notícias internacionais e criando informações falsas para manter a população ao seu favor. O desenho performativo veio como uma crítica a essa posição de ocultamento do governo brasileiro. Durante um vídeo ao vivo sobre os panelaços que aconteciam enquanto havia o discurso do presidente, escrevi em um pedaço de papel a letra da música Vai Passar, de Chico Buarque. Esse compositor é um dos artistas heróis que lutaram contra a ditadura no Brasil e suas letras contém mensagens subliminares  a favor da revolução e da democracia. Enquanto escrevia seus versos, toda vez que havia menção de algum erro de informação sobre o COVID-19, eu censurava toda a letra até onde havia escrito. Continuei com o processo até o término da primeira parte do discurso e quando acabou a performance, havia uma frase escrito: “Vem ver de perto uma cidade a cantar”, uma referência ao clima de carnaval, de felicidade, de uma época sem preocupações.