TRANSFERÊCIA DE USO | Maria Carolina Sousa
Para o primeiro exercício devíamos selecionar um ato/gesto do nosso quotidiano e transferi-lo para um contexto de desenho, tentar traduzi-lo e transformar num ato de desenho. A ação que escolhi foi: cambalear. Este é um movimento muito característico da minha pessoa. No seu sentido original trata-se de um ato de espera, uma amostra de impaciência e uma maneira de equilibrar o excesso de energia no meu corpo. Muitas vezes torna-se inconsciente. Agarrando num lápis e encostando sobre o papel comecei a simular esse movimento como se estivesse à espera de algo, neste caso, que o bico do lápis acabasse. Tornou-se quase uma dança ou valsa entre mim e o lápis sobre o papel. A ideia era conseguir transferir para o desenho a inquietação e frustração que se alojam no meu corpo quando sinto a necessidade de realizar este movimento.
No segundo exercício, tinhamos como objetivo escolher dois movimentos da lista de gestos do nosso quotidiano, que não tivessem uma ligação entre eles, e transformá-los num único movimento que compilasse a essência dos dois. Assim escolhi os gestos: rodar e sacudir (rodar os botões do forno; e sacudir as mãos depois de as lavar). Neste caso, não quis conter o ato de rodar na dimensão em que gesto quotidiano em causa o circunscrevia. Isto revelou uma simbiose entre os dois gestos selecionados. Embora de naturezas completamente distintas, parecem, desta forma, completar-se.
Por fim, deviamos pegar num ato associado ao Desenho e transferi-lo para o espaço. O ato que escolhi foi o de apagar. Entende-se apagar como “fazer desaparecer” ou limpar. Tendo isto em conta peguei num prato sujo, após uma refeição, e comecei a “apagar” os detritos de comida com uma borracha como se estivesse a lavar o prato com uma esponja. Tal como num desenho estou a retirar matéria deixando a folha, que neste caso é o prato, em branco, sem desenho, a sujidade deixada pela refeição.
Em todos estes exercícios, de formas diferentes, conseguimos explorar vários métodos de transferência de atos do seu contexto natural para um completamente diferente através da reencenação e reapropriação de gestos quotidianos e outros associados ao Desenho. Isto faz-nos questionar como é que a performance de um ato pode assumir tantos diferentes significados. O contexto em que ele é realizado é factor determinante na sua identidade e natureza.