Até perceber a nossa própria presença
Neste estudo sobre auto-representação e retórica, apresento um vídeo onde a minha mão escreve sobre uma folha em branco. Com um pincel carregado de tinta preta, registro a sentença: “até perceber a nossa própria presença”.
De um modo simultâneo, enquanto a mão escreve apressadamente no papel, há uma voz em segundo plano que narra a mesma frase, de modo repetido e contínuo. Aos poucos, novas vozes surgem em sobreposição. A mão que continua a escrever também começa a replicar uma frase sobre a outra, de um modo desordenado. No que diz respeito ao grau percebido, o ato produz um aglomerado de escritos ilegíveis no centro da folha. A mão por fim, abandona o pincel sobre a folha, como se desistisse de buscar uma solução.
Através da repetição e da sobreposição, o grau concebido nos evidencia a retórica ou o desvio da própria ação: numa tentativa de se perceber, a compreensão se perde.
A frase também é carregada de sentido, pois ao usar “a nossa própria presença”, evidencia-se o aspecto coletivo da compreensão da própria existência.
As vozes se comportam como ecos, e a alotopia acontece no instante que as palavras começam a se sobrepor,
rompendo com a normalidade do registro e impossibilitando, por fim, a nossa leitura.
O desvio põe em causa o significado da própria sentença, apesar de sabermos o que a mão escreve, no sentido cognitivo, fica evidente que não “se percebe a presença” diante do ruído gerado. A operação retórica de adição é representada pelo acúmulo de vozes e também de escritos que juntos formam a rasura.
Neste trabalho, o desvio e a norma se fundem, as palavras perdem o respiro para o excesso de informação e o modo retórico é representado pela interpenetração, ou seja, desvio e grau zero estão presentes de modo simultâneo no próprio trabalho.
A alotopia da obra nos faz compreender o excesso de vozes e de informações que, na insistência em esclarecer, acabam por nos confundir ainda mais.