Respira comigo ou Tenho tido pesadelos com drones
Frames do vídeo, Respira comigo ou Tenho tido pesadelos com drones, 2020
Diante da câmera, inicio o experimento executando uma sequência de exercícios simples de respiração e relaxamento, o primeiro quadro marca um grau zero inicial relativo as normas impostas pelos exercícios corporais que mantém ou levam o, corpo a um certo equilíbrio e estabilização de suas tensões.
O grau percebido é marcado pela expectativa criada na execução dos exercícios de respiração e relaxamento, que estão impregnados no nosso imaginário e que se tornaram virais no momento pandemia e "isolamento social"que vivemos. Esses exercícios podem servir tanto para o cuidado de si, quanto para o controle do corpo e o apaziguamento de suas tensões como forma de alienação.
Ao longo do experimento, repito alguns movimentos ou os acelero até que se tornem incômodos para o corpo, não tendo como objetivo acalmar ou relaxar o corpo, mas criar tensões que me tornem consciente da própria presença viva no tempo, espaço e contexto, criando uma divergência entre o nível percebido inicialmente e o nível concebido.
A edição do vídeo tenta acentuar o estranhamento a partir da sobreposição de camadas, do desfoque da imagem e da ligeira desaceleração da velocidade, revelando o som de fundo como uma espécie de ruído que nos transporta o para uma certa perturbação, rompendo com a isotopia da imagem ao contradizer seu sentido inicial, recorrendo ao ato retórico no descolamento causado pelo estranhamento da ação.
O contexto que vivemos faz parecer cada dia mais difícil o ato de respirar. Tenho tido longas insônias e quando durmo, tenho pesadelos repetidos onde somos perseguidos por drones. Não à toa, a presença desses pequenos autômatos é simbólica e denota uma preocupação constante com o encaminhamento do controle biopolítico de nossos corpos durante e depois desse estado de emergência mundial.
Estamos constantemente em contato com um excesso de notícias catastróficas, diante do medo do desconhecido, do reconhecimento do fracasso enquanto sistema capitalista, da nossa incapacidade de viver em coletivo, e da revelação explicita das desigualdades.
Ao mesmo tempo, é criado um discurso que se instaura e se ampara em uma esperança coletiva em um futuro próximo, onde, superada a pandemia, seremos mais conscientes da nossa relação com a natureza, com a coletividade e que nesse período de quarentena “devemos aproveitar para aprender e melhorar com essa experiência” pois, “depois que tudo isso acabar, com certeza seremos pessoas melhores”.
Imersos nessa tal utopia, deixamos de ver quem de fato está mais vulnerável a essa situação toda, e ignoramos que quem é mais pobre segue trabalhando sem poder desfrutar dos direitos básicos de proteção enquanto, que para nós parece tão natural que podemos reclamar do “isolamento social". Não podemos achar que seremos salvos por mágica, é um momento realmente dramático que não deve ser apaziguado, onde o que me parece mais urgente é pressionar o poder público na criação de politicas emergenciais para atender a população mais necessitada.
"Esse é o paradoxo da biopolítica: todo ato de proteção implica uma definição de imunização da comunidade, segundo a qual a comunidade se dará a autoridade para sacrificar outras vidas, em benefício da idéia de sua própria soberania. O estado de exceção é a normalização desse paradoxo insuportável.”1
Para além disso, essa constante higienização e controle regulamentado dos corpos nos torna tão vulneráveis e esse discurso me parece tão contraditório e perigoso, isso tudo me perturba, não consigo perceber isso como uma grande oportunidade para aprendermos a ser melhores.
Por fim, a alotopia do ensaio busca dar vazão a um olhar crítico ao tempo que vivemos, desviando o uso dos exercícios de controle e relaxamento do corpo para tornar visível certas contradições, traçando uma tentativa de cuidado ao mesmo tempo que revela a perturbação presente no corpo.
Link para o vídeo:
1 PRECIADO, Paul Beatriz, Aprendendo com o vírus. Disponível em: https://elpais.com/elpais/2020/03/27/opinion/1585316952_026489.amp.html
Acesso em 1 de abril de 2020.