3.4.20

Teresa TAF - Retórica do Acto Performativo

Retórica do Acto Performativo:
Enquanto aluna desta disciplina, a execução deste Ensaio, sobre Retórica do Acto Performativo, tem por objectivo mostrar que compreendi como é que se constrói o sentido das imagens e de que modo se instaura inteligibilidade naquilo que é percepcionado. Procurarei mostrar que consigo utilizar, na intervenção artística, o processo retórico pelo qual as imagens, pela sua capacidade persuasiva, actuam sobre os espectadores, sendo capazes de provocar mudanças de  comportamentos, sendo portanto veículos de acção. Neste sentido, pretende-se afirmar a ideia de que existe um lugar para a retórica no pensamento contemporâneo sobre as imagens e sobre os processos artísticos.


Por outro lado, a utilização da capacidade persuasiva da imagem com o objectivo concreto de provocar mudanças de comportamentos sociais, interessa-me particularmente, na medida em que, ao longo deste curso de mestrado, tenho vindo a questionar-me, precisamente, sobre o papel interventivo da arte, considerando que, pela sua capacidade estética e retórica, a arte tem um forte impacto, logo, pode ser factor de mudança, o que apela não só ao sentido de responsabilidade da prática artística, como também pode suscitar, ou mesmo exigir, uma reflexão sobre o próprio ethos retórico.

Por último, este Ensaio, que tem por título – Rebirth ou “O Futuro do Passado” – remete para o ciclo da vida - eterno retorno que decorre entre nascimento e morte – mas no qual os gestos, os actos e as intenções humanas deixam marcas por vezes muito dolorosas. No entanto, estas marcas podem ser apagadas pelo paradoxo do perdão, única acção humana capaz de “desfazer o que foi feito”, permitindo o “renascer” que traz a esperança, e cujo mal provocado pode ser redimido. Este Ensaio encerra, então, também uma alusão à intensidade do Tempo que nos é dado viver presentemente.




 



II.            Análise das imagens e do processo retórico envolvido no acto performativo intitulado: REBIRTH ou “O Futuro do Passado”
- Banheira vista de lado: grau-zero ou isotopia. O grau percebido coincide com o grau concebido: uma banheira, onde tomamos banho e nos lavamos. Ambiente quotidiano, vivido no tempo presente que, neste momento, é de clausura forçada.
A mesma banheira vista de lado, permanece como fundo, mas em primeiro plano destaca-se agora um corpo envolto num pano, primeiro elemento desvianteque, pela sua estranheza, suscita particular atenção do espectador e funciona como premonição, alerta, reflexão e luto, sinalizado pelo roxo/preto do pano.

Banheira vista de cima, cheia com água transparente: aparentemente encontramo-nos novamente no grau zero. No entanto o desvio provocado nesta percepção pela imagem anterior, induz no espectador o conflitoe a busca de soluções alternativas de interpretação da banheira, agora como lugar propicio ao mergulho, como lugar de ritual e lavagem, como pia baptismal...Banheira vista de cima, cheia de água transparente, onde se percebe um pé como primeiro elemento de imersão do corpo em contacto com a água: mantém-se o cenário usual e habitual que antecede o banho, isto é a isotopia, sendo que o pé na água mantém a normalidade e a possibilidade da narrativa.

- Banheira vista de cima, cheia de água vermelha - tingida por vinho - com corpo
submerso:a transformação da água transparente em água vermelha assinala o momento de alotopiapela súbita mudança de cor (operação retórica da Transmutatio).

O Vermelho da água (que até aqui era pura e transparente), simboliza culpa, dor, apenas possíveis quando a acção humana entra em cena, simbolizada pela entrada na banheira de um corpo que agora está completamente submerso (Adjectio) e quase adormecido (alusão aos corpos de Bill Viola e Mónica Weiss, entre outros). Aqui há duas entidades presentes que ocupam o mesmo lugar, num modo de interpenetração.

A água vermelha (do dilúvio e da tempestade) representa a dor do momento presente, provocada pela pandemia Covid19, a dor dos que morrem sós, a dor dos que os vêm partir abandonados, a dor dos que não os conseguem tratar ...

A água tingida de vinho, alude  ao ritual dos banhos em vinho presentes em várias culturas, para lavagem e purificação do corpo. Alude também ao momento presente que coincide com a Semana Santa, a água transformada em vinho, o vinho transformado em sangue, o sangue derramado.
O corpo submerso espera pelo renascer ...
Mas, por outro lado, este corpo imerso e como que adormecido ou em pausa, encontra-se fora do tempo - na brecha entre o passado e o futuro – um não-espaço-tempo - um lugar onde o pensamento, o eu pensante, encontra a sua morada. Assim, embora toda a existência seja marcada pelo carácter precário do tempo (porque o homem é um ser temporal e mortal), o homem pelo seu pensamento, que está fora do tempo, consegue escapar a essa sua condição. Nessa medida, embora o fluxo temporal seja indiferente a tudo, as possibilidades introduzidas no mundo por cada presença humana, que são fruto da sua liberdade, podem tornar o tempo indiferente em tempo adverso, precisamente porque nele está o homem inserido/submerso.

- Vemos o corpo a "renascer" e a emergir da água

- Pano branco, estendido e imaculado: lençol com que nos secamos após o banho diário (voltamos ao grau-zero), ou também toalha baptismal que acolhe o purificado. qui que fosse em pano com transparência para aludir a uma menbrana ou casulo que nos protege, armadilha cheia de tramas que nos embrulha, promessa de paz, sudário que nos espera e envolve.

- A mesma banheira vista de lado, aparece novamente como fundo onde a vida diária decorre, mas em primeiro plano destaca-se um corpo envolto num pano, que agora é branco: a seguir à Tempestade vem a bonança; a seguir ao pecado vem o perdão; a seguir à morte, a Ressurreição; a seguir ao desespero, a esperança.

- Corpo envolvido no pano com as marcas da água: no pano fica marcado,
pelas rugas do uso, o corpo envolvido; mas também este pano evoca todo o invisível no visível, todos aqueles acontecimentos e situações, apenas possíveis pela presença do homem no mundo, que rompe com a indiferença do fluxo temporal, marcando o Tempo presente pelo tempo passado e pela possibilidade do tempo futuro.

III. Destaco, a dupla performatividade destas imagens

Uma performatividade 'extrínseca', na medida em que os modos retóricosusados, seja o tropo, emparelhamento, interpenetração, tropo projectado, pelos conflitos que criam e as soluções que exigem ao espectador, actuam como "formas de persuasão e de acção sobre o mundo".