30.6.20

Trabalho Final: Algoritmo Neutro

Algoritmo neutro



Dentro de minhas investigações do mestrado tenho visto uma tendência a observar o espaço público como sendo um grande jogo urbano em que as pessoas constantemente atuam no espaço conforme suas agendas definindo-os de acordo com as ações. A partir de um levantamento feito ao longo do semestre, pude entender e registrar algumas das muitas interatividades entre o espaço e o seu usuário, traduzindo essas ações e seus motivos para um jogo de tabuleiro. Em primeira instância temos a configuração e os personagens que são os elementos mais visíveis dentro desse contexto de jogo. Os personagens atuam no espaço e o espaço possibilita a ação. Porém, há outras condicionantes que influenciam os personagens e a maneira de agir sobre o espaço. Chamo de “eventos” os acontecimentos que durante um período influenciam a maneira das pessoas interagirem com a cidade, de jogarem o jogo. A exemplo a pandemia do COVID-19 que limitou as pessoas de poderem acessar os espaços por medo de contágio da doença. Esse evento causou uma mudança de comportamento criando barreiras gerando consequências ao alterar rotas de movimentação pela cidade. Essa aleatoriedade trás o componente da realidade para o jogo, é o que afeta como atuar dentro de uma configuração e é o que está sempre em mutação em relação às interatividades.    

Esses três elementos do jogo, personagens, eventos e rotas trazem um potencial de estudo mais aprofundado. São os componentes que dependem de si para que uma ação possa ser executada gerando situações imprevisíveis. Consideramos um Diagrama de Venn em que personagens, eventos e rotas são inscritos respectivamente em cada ambiente formando conjuntos de possibilidades de ação. Entendendo assim como cada um desses elementos afeta a ação do outro sendo eles diretamente ligados. O personagem para se locomover precisa de um evento que o motiva a agir, isso gerando uma rota até cumprir seu objetivo independentemente da escala de seu trajeto. Também, ao apresentar um evento, as rotas poderão ser alteradas pelos personagens que alteram destinos e interatividades na cidade. E por fim, quando estabelecemos uma rota, isso poderá gerar eventos que influenciam os personagens. São os três elementos que trabalham em conjunto criando situações dentro do jogo. Não são necessariamente regras, mas guias de como entender as aleatoriedades do movimento. Por exemplo imaginemos um trabalhador, ganhar dinheiro para sobreviver é um evento rotineiro que o estimula a seguir uma rota pela cidade até chegar a seu trabalho. E se ao invés de um trabalhador imaginemos um personagem que é influenciado pelo evento da copa do mundo. No Brasil, as ruas estão desertas em pleno dia de semana, as lojas fechadas, os bares abertos e as rotas todas divergem para a televisão. Esses seriam alguns exemplos de como a espontaneidade afeta o grau zero dos três elementos estabelecidos. Com isso, trazendo essas ações percebidas para um contexto de jogo, como seria se brincássemos com essas configurações? Como poderíamos criar um algoritmo que simbolizaria um grau zero para gerar infinitas ações dentro da cidade?

O primeiro instinto foi de criar uma tabela com um determinado número de combinações feitas com os três elementos: rotas, eventos e personagens. Porém essa estratégia parecia criar uma desvio ao tentar estabelecer uma forma fixa aquilo que tem de função de modificar. Mas então talvez criar uma calculadora que calculasse esses elementos para então facilitar no resultado feito a partir das combinações da imprevisibilidade. Historicamente a humanidade vem tentando criar mecanismos para calcular essas imprevisibilidade de maneira mais assertiva. Criação de algoritmos que processam milhões de cálculos para tentar mapear diversas soluções e combinações possíveis para então tomar decisões ou estabelecer uma ação.


O computador foi uma invenção capaz de fazer esses cálculos e de tentar estabelecer previsões daquilo que poderia ser o futuro. A utilização de um algoritmo para calcular essas combinações e assim ver o resultado de saída. Blaise Pascal foi um matemático francês e inventor de uma máquina capaz de criar algoritmos e realizar cálculos, uma das primeiras invenções que abriram caminho para o computador moderno criando assim um caminho para mapear as diferentes combinações através de um algoritmo. Isso me levou a refletir sobre a necessidade de tentar sempre buscar resultados espontâneos a partir de uma regra rígida, visualizando a ação para então o mapear e classificar. Dentro dessa lógica extremamente racional, vão se apresentando pequenas performances que tentam a partir de uma ação livre criar um algoritmo neutro para ser aplicado de maneira espontânea para criar narrativas performáticas dentro do jogo.





 Iniciei o trabalho com algumas referências que abrangem a documentação feita através do desenho e da performatividade, mais especificamente o ensaio fotográfico do Vito Acconci intitulado “Photo-piece” e também os desenhos de transcrição do Bernard Tschumi “The Manhattan Transcripts Projects”. O trabalho tinha como objetivo inicial de realizar uma performance comum pela cidade e tentar perceber através da documentação uma maneira neutra de registrar alguma ação grau zero que daria pra ser adaptada como algoritmo. Sai de casa com a câmera do telemóvel ligada e sem perceber fui registrando o meu caminhar pelas calçadas de minha freguesia. Ao perceber esse registro, resolvi continuar essa performance para ver qual o resultado dessa caminhada sem destino. Tentei obter neutralidade ao realizar a ação para não influenciar os três elementos de minha pesquisa: rota, personagem e evento. Porém estabelecido o personagem, o evento logo ia se definido assim como a rota, por mais que não houvesse destino. Então a primeira ação, já influenciada não estaria de acordo com a intenção de criar um algoritmo neutro para a criação de narrativas do jogo. Ao continuar a caminhada, fui percebendo que o registro apresentava uma constante dentro de minha performance, a câmera voltada pro chão registrava movimento, direcionamento, personagem e textura. E ao voltar pra casa para revisar as cenas gravadas pude perceber que ali estava documentada o algoritmo necessário para calcular as infinidades de combinações dos três elementos. Transcrevi quatro cenas do registro num desenho que apresenta rota, evento e personagem e assim me utilizo do desenho para explicar a lógica por trás do algoritmo. No desenho há três elementos visíveis, o personagem representado por uma perna sugerindo movimento, a rota representada pelo posicionamento da do corpo em relação a textura que também pode ser considerado como os diferentes eventos que se revelam ao movimentarmos pela cidade. A partir desse algoritmo então que possibilita ir descrevendo os diferentes elementos vendo os resultados para que haja ação e movimento pela cidade e o jogo possa ser jogado. Dentro do desvio e da documentação a partir do desenho e da performance, seria a tentativa de criar um processo performático sério (ritual) a partir de uma situação espontânea (jogo), evidenciando uma retórica em função de persuasão de uma experiência utópica-realista para com o jogador. Entendendo que a cidade é espontânea e não produto de uma série de ações estabelecidos pela sociedade.