30.6.20

Trabalho Final: Fluxos urbanos, corpo e materialidade em um espaço-entre

   Entre vários meios de mobilidade de urbana, situa-se um espaço-entre em chão de concreto que questiona a sua própria existência.  
    Qual a identidade do lugar?
    Quais as memórias e rotinas que dão força a esta identidade?     O que fica quando se passa por espaços como este?  
Imagem 1: Esplanada do Terminal Minho e Douro, Campanhã


    Enquanto arquiteto e urbanista, olhava para este espaço sob a lentes de uso e ocupação. O primeiro termo usado para descrever ele era de uma praça seca/árida, onde o concreto toma conta do lugar. A presença/permanência de pessoas foi também uma das principais questões pontuadas sobre este lugar, ou melhor, me refiro a ausência de corpos no espaço, que só o utilizam como um espaço-entre, de passagem para outros lugares da cidade.

“O corpo e seu ambiente produzem-se mutuamente, como formas se hiper-real, como modos de simulação que ultrapassaram e transformaram a realidade e cada um deles a imagem do outro: a cidade é feita e refeita à medida do simulacro do corpo e o corpo, por sua vez, é transformado, ‘tornando cidade’, urbanizado como um corpo reconhecidamente metropolitano.” Elizabeth Growsz (1998) 

O desenho a seguir  foi feito a partir de uma análise dos corpos que se movem pela região próxima da esplanada. Com base no levantamento, a ideia da praça que funciona majoritariamente como um local de passagem fez com o que surgisse umas das ideias de prática projetual na unidade curricular de Desenho e Projecto do MADEP. Nomeado de ato percorrido, esta prática sugere o registro mais permanente dos fluxos efêmeros de pessoas que ocorrem na esplanada. Esta ideia nasce do próprio registro destes fluxos nos desenhos de levantamento do lugar. 

Imagem 2: Desenho dos fluxos
 
O ato percorrido surge da própria de representação de fluxos no espaço e o que conclui neste ato, é que o desenho é o próprio projeto executado na esplanada em larga escala: As ações relativas ao desenho, neste caso os fluxos a partir de linhas, é transportada para o espaço real. Acredito que prática se baseia num deslocamento de um ato performativo, que como explica Almeida (2008), as ações de um determinado campo são separadas do seu contexto original criando um nova ação distinta. Neste exemplo, pode-se citar o ato de TRAÇAR LINHA como uma ação primária do desenho, mas deslocada num outro espaço físico, na qual exige do corpo outros movimentos para a execução da ação.
Imagem 3: Desenho de simulação

Em Desenho e Performatividade, esta ideia do ato percorrido é retomada uma vez que havia o objetivo de continuar a investigação deste espaço no âmbito desta Unidade
Curricular. Retomando à etapa de levantamento do lugar, em um momento foi registrado a praça em dias de chuva, e notou-se a permanência da água no lugar apesar do escoamento. Este levantamento foi um tanto contraditório com o termo “praça seca” utilizado para descrever o local anteriormente.

Portanto, refletindo sobre esta ideia da água como um elemento que deixa a sua marca neste espaço, imaginei iniciar o trabalho final de Desenho e Performatividade utilizando a água como ferramenta de desenho no espaço. Primeiramente, decidi continuar com o “ato percorrido” e deixar o registro do meu percurso com a água, ou seja, fazer o desenho do espaço em que meu corpo percorreu (Imagem 6). Aproveito no mesmo momento também para explorar outras possibilidades de desenho com a água como a delimitação de espaços. Imaginei estas ações como uma forma de levantamento do lugar no próprio lugar, sem o registro posterior em desenhos em papel. O registro a partir da quantidade de água usada no concreto desaparece em menos de minutos e retoma o espaço ao estado que estava antes do desenho.

Imagem 4: Ato percorrido com água 

Este exercício estendeu o questionamento com a água fez refletir sobre a questão da corporalidade e da minha própria identidade no espaço e fez com que me questionasse: Como a água imprime minha identidade no espaço?
Como Kaprow (1986) reflete sobre as ações performativas do cotidiano que são executadas de maneira automatizadas, mesmo que não consideradas como arte, mas pensadas como tal passam a carregar o dia-a-dia com poder metafórico. Assim, refleti sobre as ações do meu dia-a-dia em que a água está em contato direto com o meu corpo. Ao assumir que a água enquanto material é capaz de assumir a forma do corpo que a contém, ela também é capaz de contornar a forma deste mesmo corpo. Neste sentido,
procurei coletar a água que passava pelo meu corpo imaginando-a como um meio em que carrega a impressão do meu corpo.

Imagem 5: Registros de um banho para encher um recipiente 

Esta água, armazenada em um recipiente é posteriormente congelada e levada para a esplanada do Terminal Minho e Douro, na qual a permanência do gelo que carrega a forma do meu corpo começa a derreter e desenhar a minha presença no espaço

Imagem 6: Registro do corpo em gelo num banco da esplanada

Outro meio que encontrei de explorar a forma do meu corpo a partir a água é no ato de se enxugar. O material que utilizamos para enxugar não somente absorve a água do nosso corpo, mas registra a identidade dele na sua própria materialidade. Neste exercício, uma folha de tamanho considerável para o meu corpo foi utilizada para secá-lo e dessa forma absorver as impressões corpóreas, tanto minha quanto da água. Aqui, evidentemente a água manifesta seu caráter efêmero enquanto líquido e faz com que seu corpo retorne ao ar e sua interferência/marca são as cicatrizes que deixa no papel, além daquela impressa pela força das mãos ao fazer atrito entre a folha e o meu corpo.

Imagem 7: Registros do ato de secar em papel
Imagem 8: Registros da secagem do papel

BIBLIOGRAFIA:
ALMEIDA, Paulo Luís (2008). Actos fingidos: aspectos da dimensão performativa do desenho (texto policopiado). Comunicação apresentada no ciclo Lições do Desenho. Lisboa: Espaços do Desenho.
AUGÉ, Marc [1935] (2012). Não-lugares: introdução a uma antropologia da sobremodernidade (Miguel Serra Pereira, Trad) (3ª ed.). Lisboa: Livraria Letra Livre.
GROSZ, Elizabath (1998). Bodies-cities. Places through the body, 42-51.
KAPROW, Allan (1986 [2003]). “Art Which Can’t Be Art”.In Essays on the Blurring of Art: University of California Press, pp. 219-222.
SCHECHNER, Richard. (1985). “Restoration of Behavior”. In Betwenn Theater and Anthropology. Philadephia: University of Pennsylvania Press, pp. 35-116.