SOBRE A DINÂMICA DA OBEDIÊNCIA.
O enunciado acima se dá como instrução para a ativação do trabalho "Sobre a dinâmica da obediência", através do caderno de exercícios que contém as posições incômodas. O trabalho é apresentado como videoperformance podendo ser reativado como ação presencial. O vídeo tem duração de 20 min, tempo médio da execução de cada posição na ativação.
No caderno de exercícios as posições são apresentadas como desenhos de instrução e foram compostas a partir das respostas ao convite feito a alguns artistas, propondo para que indicassem posições, gestos e imagens corporais que associam a obediência.
O desenho junto com a instrução foi utilizado como protocolo para a ação, o que implicou em um processo de tradução e adaptação ao corpo. O modo como o desenho é apresentado, remete intencionalmente a manuais de exercícios corporais e cartilhas escolares.
"Sobre a dinâmica da obediência" partiu de inquietações sobre a maneira como somos socialmente governados através da incorporação da obediência. O trabalho dá continuidade a investigação autoral nomeada como D Ó C I L.
Em D Ó C I L, buscamos expandir a palavra e o conceito em seus diversos sentidos. Tomando-a como metáfora para pensar principalmente a formação social do corpo, as relações de poder, violência, docilização, submissão e dominação.
Propomos, então, voltar os olhos para a obediência reconhecendo que esta é uma característica fundamental na formação social dos sujeitos. Tomando a performance como ato de desobediência através do desvio de atos performativos.
Em "Sobre a dinâmica da obediência" questionamos principalmente se, através da reencenação intencional de comportamentos, é possível estranhar ou desnaturalizar a performatividade da obediência, para, com isso, criar distanciamento crítico sobre nossa própria condição enquanto sujeito.
Não se trata apenas de repetir ou expor comportamentos, mas de gerar caminhos físicos que levam à percepção da obediência através da repetição de atos performativos, lidando com a materialidade física dos gestos. Entendendo que o próprio gesto e o movimento, resguardam o processo de construção de nossa subjetividade. Ao mover, o corpo também elabora, conceito, discurso e rupturas.
As posições incômodas (2020) foram criadas a partir de fragmentos de percepções corporais da obediência. Elas compõem gestos como colagem dessas diversas percepções, formando uma coleção que se organiza de modo coreográfico. No sentido do que diz Aganbem, o próprio gesto apresenta os meios e não significados ou funcionalidades. (AGAMBEN, 2018).
Na performance propomos que a coreografia seja acionada de forma “obediente”, as posições devem ser executadas em tempo extendido, com o mínimo de movimento, intensificando cada tensão, força, pressão, tônus e desequilíbrio. Essa combinatória faz com que, inevitavelmente, as posições se tornem incômodas ou no mínimo desconfortáveis.
Organizar gestualmente a repetição de uma resposta perceptiva foi um modo de provocar a percepção a reencenar respostas corporais de obediência. Percepções que estão no corpo como memória física e, ao mesmo tempo, agem e colocam em ação a obediência.
Os conceitos e reflexões expostos ao longo do texto nos ajudam a lançar um olhar interdisciplinar para o trabalho artístico e perceber que o modo como incorporamos a obediência está relacionado com a repetição de atos performativos.
De forma metalinguística, demos um passo atrás para encarar esses gestos e organizá-los de modo coreográfico. Acreditamos que esse distanciamento gerado pela performance cria um efeito de estranhamento provocando um desvio nos gestos de obediência que estão naturalizados em nossos corpos.
Desse modo, a performance, como prática artística, pode ser lida como um meio potente para desautomatizar atos performativos e assim criar um desvio desobediente na percepção. Esse desvio se dá como ato de desobediência poético-políco frente as relações de poder que subordinam os corpos através da sujeição.
CADERNO DE EXERCÍCIOS - POSIÇÕES INCÔMODAS.
Letícia Maia, Sobre a dinâmica da obediência, 2020. Caderno de exercícios.
Aquarela e carbono sobre papel quadriculado e papel vegetal. 14,8 x 21,0 cm.
VÍDEOPERFORMANCE
Letícia Maia, Sobre a dinâmica da obediência, 2020. Videoperformance, 20’.
O vídeo está disponível no link: https://youtu.be/ZbpSQN4k0lM