O meu trabalho começou por pegar nas formas de tai chi.
Escolhi as mesmas pois têm um enorme valor metafórico na sua génese. As artes marciais chineses sempre estabeleceram analogias entre as poses das suas formas (ou conjuntos de movimentos) e atividades do dia-a-dia.
Peguemos no exemplo da pose grasping the bird's tail, que é uma pose do tai chi utilizada em vários estilos.
Acabei por escolher este movimento ou pose para trabalhá-lo através do desenho, estabelecendo novas relações entre texto e imagem, criando disrupções e transações entre diferentes campos de significado, que é o objetivo da retórica performativa deste médium (o desenho).
O seu nome é bastante figurativo o que pensei que pudesse proporcionar potenciais desvios do seu sentido original....
Acabei simplesmente, através do desenho, por inserir na ação o elemento ao qual o próprio nome do gesto se refere: um pássaro e a sua cauda.
Através desta explicitação metafórica, pude criar esta pequena brincadeira que joga com o gesto que sugere esta mesma ação, não só através do seu nome mas também pela sua maneira de ser.
De novo, o movimento na sua aplicação marcial...
Levada ao extremo logo a seguir.
[legenda: Se a ave for mais forte que você, utilize a força dela como um impulso metafórico para desferir um ataque ao seu oponente]
A pose que escolhi abordar a seguir foi a "Fan through the back".
A partir do qual realizei este pequeno desenho em que acrescentei mais uma vez um elemento sugerido pelo próprio nome da pose: um leque. Porém, como a palavra fan, em inglês tem triplo significado (leque, ventoinha e/ou fã) escolhi substituir o suposto fan (de leque) por fan (de ventoinha).
Aqui neste caso, o objetivo do desenho foi o de quebrar as expectativas que o próprio enunciado sugere.
Tentei fazer mais um trocadilho que acabou por não ter o mesmo impacto, pois o sujeito sugerido pela ação do texto desta vez é o animal (cobra) o qual não está exterior à ação. Ela é metaforicamente quem faz o gesto. A cobra é o sujeito intrínseco da ação executada pela pessoa, mas substituir a pessoa por uma cobra seria um deslocamento de significados bastante pobre, por isso, optei por criar essa troca, de maneira mais subtil, apenas inserindo a relva à volta da pessoa.
Obviamente, comecei a enveredar por um caminho mais fácil, figurativo e explícito, mas talvez a partir destes pequenos ensaios possamos retirar coisas boas...
Continuei portanto a estudar o movimento "Fan through back", mas desta vez a partir de fotos recortadas da minha imagem na pose específica. O desenho surge desta vez, como um elemento disruptivo, o qual determina o significado da ação, mais uma vez através do jogo de conceitos.
Pensei imediatamente nos manuais de instruções de artes marciais vintage dos anos 80 e pequei nesse mesmo conceito para brincar com a disrupção do significado original ainda mais, aprofundando-a.
["Imagine o seu inimigo a tentar espetar um faca na sua cabeça]
["Apenas simule agarrar uma ventoinha para arejar as costas, na sua mão que bloqueia a faca]
[Acabe com um soco direto]
Este trabalho acabou por atingir um domínio da sátira explícita, saindo do domínio da retórica implícita do desenho... Acredito portanto, que as imagens das fotografias coladas tenham um potencial mais forte do que toda esta narrativa, para trabalhar as questões retóricas da linguagem visual.
[Cobra rasteja pela relva]
[Apenas estenda-se pelo chão]
[e ondule-se como uma cobra]
Neste caso, o jogo, a transladação de contextos aqui pode ser mais subtil para quem não está dentro deste tema... O conceito da "pose" do tai chi aqui é completamente esquecido e levado a uma ação absurda, que destrói o contexto inicial por completo...
Este é o próximo movimento que acabei por "decompor".
[Agulha no fundo do mar]
[Imagine só espetar uma agulha gigante no fundo do mar]
[Pode levar o seu equipamento de mergulho consigo para o ajudar nesta tarefa]
As metáforas chinesas, das que eu conheço sempre foram bastante arrojadas e esta é exemplo disso. Fascina-me a relação que estabeleceram entre o gesto de "afundar" alguma coisa verticalmente e a pose marcial de puxar um membro do oponente, desequilibrando-o.
Talvez aqui a coluna vertebral se possa substituir por essa tal agulha.
O exercício que realizei a partir desta pose foi ainda explícito e, se isto estivesse num contexto de ilustração marcial, a troca de contexto seria abrupta demais!
Com as sequências que irei apresentar agora, a retórica aqui é evidente. Dentro do contexto de "livro de instruções" as metáforas que se costumam fazer, facilmente podem ser trazidas para um domínio ambíguo em que se facilmente engana o leitor e o faz acreditar que o sistema representado de mudanças de contextos das ações é mesmo genuíno.
[Esta posição das mãos é a forma principal]
[Agora, disponha os seus punhos para a frente; distancie os seus pés um do outro]
Não é por acaso que existe o Zuì Quán, um estilo de kung fu que apreende movimentos de uma pessoa quando está bêbeda e os utiliza de maneira eficiente no combate corpo a corpo...
Talvez esta forma pudesse aparecer num livro de how to do it de Zuì Quán.
["Beber uma garrafa de vinho"]
[Não se esqueça de tirar a rolha primeiro]
[E bota abaixo!]
O mais interessante disto tudo, é que neste pequeno ensaio a própria personagem que explica o gesto com a ajuda da legenda, está ela própria a encenar a ação de abrir uma garrafa e de a beber...
Ou seja, há aqui um novo nível de perceção sobre as imagens diferentes, talvez graças à exerção de um papel performativo da personagem que parece ter consciência desse factor.
E por último:
["Put the cake in the oven"]
[Imagine só que tem as suas luvas calçadas...]
Estas foram as "sequências marciais" que abordaram várias formas de fazer com que as imagens e o texto criem, através da retórica, o seu próprio enunciado baseado em ambiguidades das transferências sintáticas e da semânticas.