"A cafeteira está a ferver"
(PHELAN, Peggy (1993). “A Ontologia da Performance”. In Unmarked: The Politics of Performance. London and New York: Routledge.)
Quando dizemos que a cafeteira está a ferver, estamos a subentender o seu agente mais importante, a água. Não é preciso explicar que não é propriamente a cafeteira que está a ferver (ainda que esta também esteja) mas sim a água que está dentro dela. A água é o elemento mais importante desta acção que dá sentido e uso ao objeto, a cafeteira. A compreensão da ideia vai além do significado das palavras que a compõe. A metáfora faz parte da linguagem verbal, pela qual comunicamos.
Quando a metáfora é transposta para a imagem, a nossa capacidade de compreensão altera-se, como se houvesse uma falha na programação do nosso cérebro.
Talvez os olhos não sejam tão inteligentes como os ouvidos.
Quando vemos a limpeza de uma tomada de eletricidade com uma cotonete ou o corte de um gengibre com uma tesoura das unhas, o seu sentido tornou-se desajustado. Porquê?
Porque estas acções são relativas ao corpo humano e quando transportadas para o espaço da casa perdem o agente, ainda que tanto a casa como os objectos partam da mesma referência. Quando a referencia é retirada, o dialogo entre os dois revela-se desajustado.
"Receber é já uma resposta, receber um empurrão é tocar ao de leve em quem empurra"
(TAVARES, Gonçalo M. "Ferramentas e Metáforas)
Empurrão é uma acção que tendencialmente centra-se no sujeito que empurra, numa lógica de causa - efeito.
Nesta constatação este ponto de vista é invertido e há uma transposição da acção. O acto de empurrar ou de ser empurrado tem o mesmo peso na questão.
Imaginemos alguém com um carvão na mão que risca continuamente sobre um papel.
Á partida o foco desta imagem é o que ela risca, se pedíssemos a alguém para filmar esta cena, certamente esse alguém focaria-se no papel e no seu preenchimento.
Contudo, se eu intitular esta acção como "o desaparecimento da matéria" o foco deixa de ser o papel e passa a ser a mão e a diminuição do fragmento de carvão no decorrer dos sucessivos gestos.
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"O desenho revela-se porque o olhar de apaga" 1
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O desenho revela-se porque o carvão desaparece
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O carvão desaparece porque o desenho se revela
1_(ALMEIDA, Paulo Luís (2009). “Retórica Performativa do Desenho”. In La Dimensión performativa de la práctica pictórica –Transferencia de uso entre campos performativos. Tesis Doctoral. Bilbao: UPV/EHU.)