9.4.21

Retórica do Ato Performativo, Leonor Ferreira




                                                                                                                                                                                                                                                                        Autorretrato (2021)

 

    Em resposta ao exercício da Retórica do Ato Performativo, documentei uma ação que considero autorrepresentativa. A sequência de fotografias revela o aparecimento de uma figura provocada pelo derrame de água a ferver no chão, que eventualmente desaparece. Esta breve existência de um “corpo” surge como ação elementar para a interpretação do exercício.

    Um dos conceitos pelo quais me interesso é a interpretação da temperatura como matéria, algo que estabelece uma ligação entre o meu Self e o meu corpo e que está em constante metamorfose. O meu trabalho foca-se na escultura como a exteriorização das experiências do Self (com base nas perceções sensoriais que se conectam com a temperatura) e a extensão do corpo sensorial. Eu exteriorizo-me para perceber melhor o meu interior. Através do meu corpo copio para o exterior o que acontece no meu interior.

    Interpreto o ato de respirar como uma transformação do exterior no meu interior (quando inspiro) e a libertação deste corpo transformado de volta ao exterior (quando expiro). As sensações interiores ocupam o tempo sem ocupar espaço, então, faço com que elas habitem um espaço-tempo. A maioria dos meus trabalhos acabam por ser autorrepresentativos, porque vêm de mim, são sempre com base nas minhas experiências e nas minhas carências sensoriais. Eles traduzem-se em objetos escultóricos efémeros, e como eu, também procuram a libertação de uma ação de um modo catártico.  Para este exercício, tentei sumarizar as minhas vontades e preocupações, e assim, para além da temperatura, reuni mais três conceitos base: catarse, orgânico e efémero. Portanto, esta ação sintetiza o que sou eu a experienciar-me, os meus moldes interiores exteriorizados e a efemeridade das minhas experiências.

 

“A desaparição do objecto surge então como fundamental para a performance; ela ensaia e repete a desaparição do sujeito que espera sempre ser lembrado.”

Phelan, Peggy (1993). “A Ontologia da Performance” p.172

 

    Ao derramar a água no chão, por reação a esta mesma ação, este corpo nasce, quando se liberta do estado líquido e morre quando se torna gasoso. Só existiu num espaço de tempo, assim como as minhas experiências e a sua efemeridade é fundamental – “O tempo penetra o corpo.” Foucault, Michel. (2002). Vigiar e Punir, p.130

    O movimento implícito nesta ação é como um pensamento que age, habita e transforma o espaço; um pensamento, neste caso, uma experiência, que é tornada visível – experiencio-me para conseguir tornar-me visível. Este acontecimento funciona como uma ação desaparecida, não porque está noutro espaço, mas sim porque perdeu o espaço, deixou de existir. Só existe no tempo, ou seja, na memória. Logo, interpreto o Self como uma base de memórias que já habitaram um espaço-tempo.

    Ao realizar esta ação-movimento tento interligar a ação de exteriorização do Self (como se ao respirar estivesse a criar um novo eu, a exteriorizar do meu interior) com um fenómeno quotidiano – evaporação. Assim, por breves momentos, este corpo respira por mim e por ele. Revejo o meu ato de respirar na evaporação da água.

    O uso a fotografia serve para desacelerar a ação e provocar um estancamento artificial do tempo. Pretendo assim desacelerar a velocidade do mundo, da minha experiência e da minha memória, com o intuito de absorver tudo com intensidade máxima, aceitando sempre a efemeridade do momento.