Autorretrato (2021)
Em
resposta ao exercício da Retórica do Ato Performativo, documentei uma ação que
considero autorrepresentativa. A sequência de fotografias revela o aparecimento
de uma figura provocada pelo derrame de água a ferver no chão, que
eventualmente desaparece. Esta breve existência de um “corpo” surge como ação
elementar para a interpretação do exercício.
Um
dos conceitos pelo quais me interesso é a interpretação da temperatura como
matéria, algo que estabelece uma ligação entre o meu Self e o meu corpo e que
está em constante metamorfose. O meu trabalho foca-se na escultura como a
exteriorização das experiências do Self (com base nas perceções sensoriais que
se conectam com a temperatura) e a extensão do corpo sensorial. Eu exteriorizo-me para perceber
melhor o meu interior. Através do meu corpo copio para o exterior o que
acontece no meu interior.
Interpreto
o ato de respirar como uma transformação do exterior no meu interior (quando
inspiro) e a libertação deste corpo transformado de volta ao exterior (quando
expiro). As sensações interiores ocupam o tempo sem ocupar espaço, então, faço
com que elas habitem um espaço-tempo. A maioria dos meus trabalhos acabam por
ser autorrepresentativos, porque vêm de mim, são sempre com base nas minhas
experiências e nas minhas carências sensoriais. Eles traduzem-se em objetos
escultóricos efémeros, e como eu, também procuram a libertação de uma ação de
um modo catártico. Para este exercício,
tentei sumarizar as minhas vontades e preocupações, e assim, para além da
temperatura, reuni mais três conceitos base: catarse, orgânico e efémero. Portanto,
esta ação sintetiza o que sou eu a experienciar-me, os meus moldes interiores
exteriorizados e a efemeridade das minhas experiências.
“A desaparição do objecto surge então
como fundamental para a performance; ela ensaia e repete a desaparição do
sujeito que espera sempre ser lembrado.”
Phelan, Peggy (1993). “A Ontologia da
Performance” p.172
Ao
derramar a água no chão, por reação a esta mesma ação, este corpo nasce, quando
se liberta do estado líquido e morre quando se torna gasoso. Só existiu num
espaço de tempo, assim como as minhas experiências e a sua efemeridade é
fundamental – “O tempo penetra o corpo.” Foucault, Michel. (2002). Vigiar e
Punir, p.130
O
movimento implícito nesta ação é como um pensamento que age, habita e
transforma o espaço; um pensamento, neste caso, uma experiência, que é tornada
visível – experiencio-me para conseguir tornar-me visível. Este acontecimento funciona
como uma ação desaparecida, não porque está noutro espaço, mas sim porque
perdeu o espaço, deixou de existir. Só existe no tempo, ou seja, na memória. Logo,
interpreto o Self como uma base de memórias que já habitaram um espaço-tempo.
Ao
realizar esta ação-movimento tento interligar a ação de exteriorização do Self
(como se ao respirar estivesse a criar um novo eu, a exteriorizar do meu
interior) com um fenómeno quotidiano – evaporação. Assim, por breves momentos,
este corpo respira por mim e por ele. Revejo o meu ato de respirar na
evaporação da água.
O uso a fotografia serve para desacelerar a
ação e provocar um estancamento artificial do tempo. Pretendo assim desacelerar
a velocidade do mundo, da minha experiência e da minha memória, com o intuito
de absorver tudo com intensidade máxima, aceitando sempre a efemeridade do
momento.