29.11.22

Retórica do Ato Performativo, Filipa Domingues

 

Retórica do Ato Performativo- Autorrepresentação 

Grande parte da minha vida foi uma procura constante de ser aceite por quem me rodeia, e para isso senti necessidade de camuflar a minha personalidade de acordo com o meio social em que me encontrava: a Filipa para a família conservadora, a Filipa que necessitava agradar os colegas da escola para não sofrer bullying, a Filipa na sua zona de conforto, entre outras. A insegurança sempre foi um sentimento muito presente durante o meu crescimento.

Apesar desta necessidade de construir camadas de defesa à minha volta, o meu desenvolvimento pessoal continuava em crescimento, levando-me inevitavelmente a um ponto de rotura que me libertou de todas as camadas sufocantes, ou seja, da insegurança.

Da mesma forma que foi difícil contruí-las e mantê-las, foi tão ou mais doloroso libertar-me. Mas foi a partir da liberdade do autoconhecimento que encontrei o terreno apropriado para iniciar a procura da minha verdadeira identidade.

Na performance apresentada, observamos o meu envolvimento em várias camadas de película transparente, com dificuldade em respirar criada por mim, mas sempre com a preocupação de destapar as narinas para que de alguma forma conseguisse respirar enquanto me embrulhava. São também visíveis a distorção e deformação do meu rosto, dadas pela pelo aperto da   película.

Por fim, início o processo de retirar a película. Nota-se algum desconforto e vontade de libertação. Esta descrição será o grau percebido, a ação visível no vídeo.

Relativamente ao grau concebido, a performance refere-se ao ato de me esconder atrás de várias peles, mas que nenhuma sou eu, na verdade são versões distorcidas de mim (pois a Filipa continua no mesmo lugar) localizadas unicamente no meio exterior e que me levam ao sufoco. A retórica é alusiva ao sufoco psicológico durante o processo de descoberta ao longo da vida, enquanto me sentia na obrigação de não o ser para me integrar na sociedade. A necessidade de ser aceite poderá também estar associada ao ato de embrulhar, não só como sufoco, mas como na vida quotidiana embrulhamos alimentos e objetos para que os possamos proteger do exterior. As tentativas de encontrar uma forma possível de respiração enquanto sou envolvida na película referem-se à procura interior que nunca se perdeu nem desapareceu, a par de toda a insegurança, como uma forma de esperança de que um dia poderia ser capaz de revelar a qualquer meio social: família, amigos, colegas de trabalho ou até desconhecidos quem sou, e dessa forma, eu própria ter essa perceção.

Podemos observar um primeiro desvio: uma pessoa a embrulhar a cabeça em película aderente (tropo 1), não se tratando de nenhum objeto/alimento. No fim do envolvimento em pelicula temos um momento em que o rosto se encontra irreconhecível, ironicamente, num exercício de autorretrato e depois dá-se o segundo desvio (tropo 2): o rasgo da película até ao grau 0, o meu rosto sem nada.

Por fim, o rasgo da película associa-se á libertação total das diferentes peles/camadas criadas para a aceitação. Significa a aceitação de mim mesma, e o ponto de partida para uma descoberta verdadeira e saudável, que terá continuidade para o resto da vida.

Ana Mendieta, Jenny Saville, Zoran Todorovic, Sam Taylor Wood, Mierle Ukeles e Janine Antoni são algumas artistas de referência para este trabalho.

 Pessoalmente, penso que uma autorrepresentação não é um conceito definitivo, pois temos a possibilidade de nos transformarmos diariamente, e na verdade, somos seres dotados de uma enorme complexidade, o que faz desta reflexão um exercício interessante e evolutivo. A retórica é um elemento importante no pensamento contemporâneo sobre as imagens e os processos artísticos, pois penso que a existência de algum tipo de raciocínio é essencial para o estímulo artístico, tanto pelo próprio artista, como para a obra e observador.

Apesar da retirada das diferentes camadas que me reprimiam, não deixo de ter diferentes facetas e versões de mim, tal como referi anteriormente, a grande complexidade do  ser humano permite variações de acordo com as diferentes situações que lhes são apresentadas. No entanto, é importante perceber que para atingir um verdadeiro autoconhecimento, essas mesmas versões não se podem distanciar muito umas das outras, pois são simplesmente variações do que o nosso ser consegue atingir e como se sente mais confortável e fiel a si mesmo. Quanto maior for a distância, menor o autoconhecimento. Em conclusão, é com este pensamento que me autorrepresento: alguém num processo consciente de descoberta, mas feliz e confortável com ele.