Retórica do Ato Performativo- Autorrepresentação
Grande parte da minha vida foi uma procura constante de ser
aceite por quem me rodeia, e para isso senti necessidade de camuflar a minha
personalidade de acordo com o meio social em que me encontrava: a Filipa para a
família conservadora, a Filipa que necessitava agradar os colegas da escola
para não sofrer bullying, a Filipa na sua zona de conforto, entre outras. A
insegurança sempre foi um sentimento muito presente durante o meu crescimento.
Apesar desta necessidade de construir camadas de defesa à
minha volta, o meu desenvolvimento pessoal continuava em crescimento, levando-me
inevitavelmente a um ponto de rotura que me libertou de todas as camadas
sufocantes, ou seja, da insegurança.
Da mesma forma que foi difícil contruí-las e mantê-las, foi
tão ou mais doloroso libertar-me. Mas foi a partir da liberdade do
autoconhecimento que encontrei o terreno apropriado para iniciar a procura da
minha verdadeira identidade.
Na performance apresentada, observamos o meu envolvimento em
várias camadas de película transparente, com dificuldade em respirar criada por
mim, mas sempre com a preocupação de destapar as narinas para que de alguma
forma conseguisse respirar enquanto me embrulhava. São também visíveis a distorção
e deformação do meu rosto, dadas pela pelo aperto da película.
Por fim, início o processo de retirar a película. Nota-se
algum desconforto e vontade de libertação. Esta descrição será o grau
percebido, a ação visível no vídeo.
Relativamente ao grau concebido, a performance refere-se ao ato
de me esconder atrás de várias peles, mas que nenhuma sou eu, na verdade são
versões distorcidas de mim (pois a Filipa continua no mesmo lugar) localizadas
unicamente no meio exterior e que me levam ao sufoco. A retórica é alusiva ao
sufoco psicológico durante o processo de descoberta ao longo da vida, enquanto
me sentia na obrigação de não o ser para me integrar na sociedade. A
necessidade de ser aceite poderá também estar associada ao ato de embrulhar,
não só como sufoco, mas como na vida quotidiana embrulhamos alimentos e objetos
para que os possamos proteger do exterior. As tentativas de encontrar uma forma
possível de respiração enquanto sou envolvida na película referem-se à procura interior
que nunca se perdeu nem desapareceu, a par de toda a insegurança, como uma
forma de esperança de que um dia poderia ser capaz de revelar a qualquer meio
social: família, amigos, colegas de trabalho ou até desconhecidos quem sou, e
dessa forma, eu própria ter essa perceção.
Podemos observar um primeiro desvio: uma pessoa a embrulhar a
cabeça em película aderente (tropo 1), não se tratando de nenhum objeto/alimento.
No fim do envolvimento em pelicula temos um momento em que o rosto se encontra
irreconhecível, ironicamente, num exercício de autorretrato e depois dá-se o
segundo desvio (tropo 2): o rasgo da película até ao grau 0, o meu rosto sem
nada.
Por fim, o rasgo da película associa-se á libertação total
das diferentes peles/camadas criadas para a aceitação. Significa a aceitação de
mim mesma, e o ponto de partida para uma descoberta verdadeira e saudável, que
terá continuidade para o resto da vida.
Ana Mendieta, Jenny Saville, Zoran Todorovic, Sam Taylor Wood,
Mierle Ukeles e Janine Antoni são algumas artistas de referência para este
trabalho.
Apesar da retirada das diferentes camadas que me reprimiam, não
deixo de ter diferentes facetas e versões de mim, tal como referi
anteriormente, a grande complexidade do
ser humano permite variações de acordo com as diferentes situações que
lhes são apresentadas. No entanto, é importante perceber que para atingir um
verdadeiro autoconhecimento, essas mesmas versões não se podem distanciar muito
umas das outras, pois são simplesmente variações do que o nosso ser consegue
atingir e como se sente mais confortável e fiel a si mesmo. Quanto maior for a distância,
menor o autoconhecimento. Em conclusão, é com este pensamento que me autorrepresento:
alguém num processo consciente de descoberta, mas feliz e confortável com ele.