2.2.23

MEU AMOR MATA-TE, PORQUE NÃO TE MATAS? - Trabalho Final | Maria Inês Gomes


O ponto de partida da proposta experimental realizada tem origem na vontade de utilizar o desenho como fonte principal de documentação do ato performativo. 

Tendo no meu trabalho autoral um enorme interesse em conjugar o desenho e as artes performativas, quis perceber de que modo estes se contaminam e que estratégias podem ser adotadas do ponto de vista plástico para a sua concretização. 

Lembrei-me então de um pequeno rascunho de uma ideia que havia feito há bastante tempo nas primeiras aulas do semestre.



 1- Esquiço de uma ideia para uma performance


                Foi a partir deste  esquiço que pude projetar uma futura performance. O mesmo idealizava uma peça têxtil, quase que uma prótese corporal, que se assimilava ao corpo feminino grávido e poderia ser usado como uma “mochila”.  Deste modo, esta performance, que quis pensar o desenho como documento, partiu também ela de um esquiço que documentava uma ideia.  

                  


2- Algumas páginas do diário de bordo, onde se pode acompanhar o processo de pensamento, investigação, algumas anotações de referências e o planeamento das ações


3 - Esquiço dos momentos da performance “Meu amor mata-te/porque não te matas?”





4 - Alguns desenhos especulatórios de planeamento da performance


            O objetivo principal foi tentar sustentar a existência da performance através do seu registo gráfico, não importando se se tem presente que esta ocorreu ou não. Naquilo que Philip Auslander, descreve como a categoria teatral da documentação performativa, o mesmo diz-nos que a ação apenas acontece no espaço visual onde é traduzida. Não querendo isto ter uma conotação negativa, temos presente que o desenho da performance nunca será o mesmo que realizá-la. Contudo, não é isso que aqui está em causa, pois para o espetador, que visualiza a documentação, o objetivo final é viver a ação através dela e recriar na sua cabeça a trajetória do artista e dos seus gestos, quer esta tenha sido ensaiada ou não. O desenho ganha assim a sua performatividade ao representar uma outra que lhe é exterior, por isso, um não se revela inferior à outra, sendo que um não existe sem o outro. O que é crucial aqui é a ligação que o desenho estabelece com o espetador, permitindo-lhe conectar-se com a performance, assumindo não uma ligação temporal com a mesma, mas encarando o desenho como a performance em si, pois este poderá nunca vir a ter acesso à mesma.[1]

Deste modo, o exercício contribuiu não só para poder ter a oportunidade de pensar e criar uma performance, mesmo que esta não tenha sido realizada, mas sobretudo como ponto de partida para pensar o desenho como um meio autónomo de documentação do ato performativo, que, mesmo não saindo do papel, consegue concentrar em si uma carga simbólica que leva o espetador a vivenciar a ação, como se pudesse ter estado presente a absorvê-la. Foi-me assim possível desenvolver estratégias de diferentes maneiras de registar as ações e descrevê-las, permitindo-me ampliar o modo como penso o desenho como ferramenta de representação e como elemento performativo.


*Nota: o título desta performance é apropriado do Poema do amor que resolve todas as diferenças, presente no livro Novas Cartas Portuguesas.

(Barreno, M. I., Horta, M. T., & Costa, M. V. (2022 (reedição)). Novas Cartas Portuguesas. D. Quixote, págs. 270-271)



[1] Auslander, Philip (2006). "The Performativity of Performance Documentation". PAJ: a Journal of Performance and Art. 84. Vol 28, September, 2006, pp. 1-10