15.12.16

SEMINÁRIO 3: TRANSFERÊNCIA-ACTO-IMAGEM — "GO BACK" [Gabriela César]

O espaço escolhido, o labirinto do Parque São Jorge, possuía um grau zero de, embora houvesse uma dificuldade pré-estabelecida, o visitante do espaço chegasse ao centro.

A ação realizada foi de desenhar no chão com uma ferramenta de jardinagem setas indicativas. O ato é desviante pois espera-se que o visitante encontre por si um caminho para o centro — ao mesmo tempo, gera uma curiosidade em quem vê as setas por segui-las e saber onde vão. O labirinto nos confronta o tempo todo com a tomada de decisões. Ter indicações inscritas no chão foge ao propósito inicial do espaço, e gera uma falsa segurança na decisão tomada pelo visitante. Seguir a instrução é livrar-se do peso da escolha: qualquer destino que levem as setas cumprirá a função de obediência que nos livra do peso de chegar a um local “errado”.

Porém, neste caso, as instruções levavam ao erro: não direcionavam o visitante ao centro do labirinto, e sim a um canto onde, no chão, estava escrito GO BACK. O espaço se contaminou com o vestígio de minha presença (as marcas no chão), e registrei em vídeo o ato de realizar as  marcas e o uso do espaço por uma terceira pessoa (João Paulo). Após a realização da filmagem com João, alguns outros visitantes do espaço (crianças, principalmente) se aventuraram pelo labirinto, seguindo algumas das setas com espanto e diversão, mas desistiram após perceber que elas não levavam ao centro. João permaneceu fiel às instruções até o final, mesmo que elas o levassem a um sentido frustrado de centro: seja por maturidade (vamos supor que crianças de 4 ou 5 anos, como as que vimos no espaço, tenham mais ansiedade por terem suas expectativas realizadas) ou por curiosidade.



A documentação em desenho ocorreu em um caderno de papel reciclado em cujas folhas muitas vezes aparecem vestígios de materiais orgânicos. Este pequeno caderno me pareceu apropriado para este trabalho porque os vestígios de folhas de árvores no papel reciclado me trouxeram de volta à memória do parque em si, ao ato de arranhar o chão com a ferramenta para desenhar setas. Primeiramente resolvi pensar o que havia por trás de GO BACK. Ir de volta, retornar, mas para onde? E por quê? Em reação à atual crise europeia de imigração, sinto diariamente a vontade de questionar: por que não são bem-vindos os imigrantes? Por que moradores de ex-colônias portuguesas são sequer considerados imigrantes? Eram os “heróis do mar” imigrantes quando chegaram ao Brasil? Ou apenas saqueadores, estupradores, genocidas? Há uma onda de extrema direita pairando as relações políticas internacionais, tentando ganhar espaço às custas de uma crise financeira e da escassez de empregos. Ao mesmo tempo, ações não diretamente ligadas a Portugal (como a guerra na Síria) geram milhares de refugiados. 




Como se chega ao centro da questão, ao centro do labirinto? Devemos voltar para casa, tratar de nosso país, ou permanecer aqui, estudar uma maneira de interferir nos espaços como artistas e cidadãos? Creio que o desenho do labirinto não auxiliou na performance, e sim o contrário. Caminhar sem rumo, perder-se, procurar um caminho alternativo ao que se espera, enfrentar a frustração foram sentidas por mim ao desenhar; mas não ao inscrever marcas no parque. O desenho me reacendeu, sim, a memória do ato realizado (que acredito melhor registrado em vídeo), mas fez com que eu recuperasse as marcas da ferramenta de jardinagem. Fez com que re-significasse a frase “GO BACK”. Que repensasse o ato de seguir instruções, de seguir desenhos (como os que fiz no chão). Mesmo o desenho do espaço em si, um desenho impossível — como se desenhar um espaço que foi planejado para que as pessoas perdessem o senso de direção dentro dele? Não se desenha, ou se desenha com a liberdade de aprender através do gesto sua forma, e replicar livremente, sem a necessidade de que esteja fiel à realidade (até porque, na verdade, nada é fiel ao real, toda nossa produção são interpretações). Os círculos concêntricos e os rastros causados pelo ato de caminhar por eles são como ondas causadas por uma pedra atirada a um lago. As camadas do labirinto se sobrepõem. É a tentativa de uma realização impossível em todas as esferas (com o perdão do trocadilho): chegar-se a um centro. O meio, o centro, parece-me mais, a partir dos desenhos, uma esfera geradora, uma pulsação inicial, do que algo que se pode alcançar de fato. Podemos navegar suas ondas, mas perdemos para sempre o contato com o momento onde tudo começou. É impossível voltar atrás, retornar a um passado. A única solução que consegui chegar por meio dos desenhos é propor que sejamos nós mesmos pequenos centros, difusores de ideais, sem seguir instruções tanto à risca. Seguir qualquer coisa, ter a intenção de documentar algo, tentar confiar na memória é trair-se, seguir uma trilha escrita no chão que nos leva à irônica e final indicação “GO BACK”.