15.12.16

Festa na casa-de-banho

Há inúmeros espaços concretos na faculdade. No entanto, nenhum deles é um espaço que eu possa manter apenas para mim. Esta questão surge quando penso na necessidade, ou possibilidade, do desenho como arquivo e/ou documento. Esta importância documental relaciona-se com a possível importância histórica do que é documentado - seja do próprio documento em si, seja do evento que é tratado no mesmo; mas permito-me focar num aspecto essencial de um arquivo/ documento: é a possibilidade que é oferecida a quem não presenciou, não esteve presente, não esteve em contacto com, de aceder à informação, situação, imagem. É a comunicação que procura, de certo modo, projectar para um domínio externo algo que esteve restrito ao conhecimento de um, poucos, ou apenas do próprio imaginário de quem o gera. No entanto, "desenhar torna-se numa espécie de resistência à tendência em transformar a acção num espetáculo documental" (Almeida, 2013). Nesta distinção, surge um espaço ambíguo de contaminação, onde o desenho emerge na sua singularidade, pela possibilidade de alimentar imagens mentais, pertencentes ao campo das possibilidades, logo, libertas dos constrangimentos daquela que é a realidade palpável e os seus constrangimentos.
 Penso então num espaço cujas características inerentes me ofereçam a possibilidade de gerar um acontecimento reduzido, talvez incomum, que me pareça importante documentar.

Os espaços de uma faculdade são, necessariamente, espaços de confluência, cada um com sua função definida, cada um com uma determinada luz, diferentes afluências conforme as diferentes horas do dia e função do espaço, cada uma com um conjunto de sonoridades característico, entre outras particularidades
Ora, uma casa de banho é um espaço que, invariavelmente, conserva determinadas características mais ou menos constantes (considera-se para o caso, a casa de banho do 1º andar do Pavilhão Arquitecto Carlos Ramos, no seu uso habitual do quotidiano):
- A luz branca das lâmpadas existentes, fluorescentes;
- As portas dos compartimentos individuais, fechadas quando há utilizadores;
- O número reduzido de pessoas que usam o espaço em simultâneo;
- Os sons característicos ao espaço: a porta a chiar, a água da torneira dos lavatórios, o trinco das portas, o autocolismo.
- Os aromas característicos de um espaço onde se recorre frequentemente para satisfazer necessidades fisiológicas.



Estudos das dimensões do espaço hospedeiro e dos possíveis percursos feitos pelos utilizadores numa utilização habitual.




De forma a fazer um uso impertinente deste espaço, neste caso risível, violando a sua função primeira, reuni alguns amigos e dei uma festa na casa de banho.
Desta forma desloquei os comportamentos habituais de um espaço com uma grande afluência de pessoas em simultâneo para um espaço de pouca afluência de pessoas em simultâneo; inviabilizei a normal utilização dos espaços: o acesso ao espelho, por exemplo, uma vez que as luzes brancas foram desligadas para dar lugar a strobes coloridos; o som dominante passou a ser uma batida de techno; os meus amigos dançaram, em vez de realizarem o tipo de acções para as quais o espaço foi gerado (factor que eliminou o factor aroma).

mancha das zonas passíveis de ser ocupadas


percursos e presenças, algumas das inúmeras possibilidades






Bibliografia:
ALMEIDA, Paulo Luís (2013) "Desenho Protocolar: Inscrevendo a acção a partir de Gunter Brus". in PSIAX 2, série II, Porto: FBAUP - i2ADS/FAUP/EAUM
FARTHING, Stephen (2009). "Recording Towards an Intelligence of Seeing" in GARNER, Steve (ed.) (2009). Writing on Drawing: Essays on Drawing Practice and Research. Chicago: Chicago University Press.
PHELAN, Peggy (1993). Unmarked: The Politics of Performance. London and New York: Routledge.
TSCHUMI, Bernard (1994). The Manhattan Transcripts. London: Academy Editions


Uma multidão animada aguarda à porta da faculdade.