Instrução para realização de um desenho, ou uma série de desenhos (a ser realizada durante a semana após o seminário).
Instruções de Gabriela César
Realização de Daniela Lino
O caderno amarelo
O dia 10 de Setembro é tido desde 2003 pela Organização Mundial da Saúde e IASP (International Association for Suicide Prevention) como o Dia Internacional da Prevenção ao Suicídio. A ideia é mobilizar agentes de saúde governamentais, ONGs e a sociedade num geral para aumentar a consciência da prevenção do suicídio. Tendo em vista a mobilização mundial para a visibilidade desta causa, a associação sem fins lucrativos CVV (Centro de Valorização da Vida) organiza desde 2014 um mês inteiro de atividades dedicadas a ganhar exposição da causa. Grande parte das ações da CVV resulta no acolhimento daqueles que precisam conversar ou que têm pensamentos suicidas por meio do atendimento com voluntários.
A depressão, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), é uma das maiores causas do suicídio (World Health Organization, 2017). Conforme dados da OMS, a doença foi escolhida para a campanha do Dia Mundial da Saúde de 2017. Uma das ações escolhidas para incentivar a prevenção e tratamento da depressão é a divulgação junto à comunidade e à imprensa de uma campanha que incentiva que se fale mais sobre a depressão, utilizando a # nas redes sociais "Let's Talk". A ideia é quebrar o estigma sobre a depressão e fazer com que as pessoas que buscam ajuda consigam tratamento adequado, ou que sua família/amigos consigam sinalizar a tempo os sintomas de depressão nos indivíduos afetados. O cerne da campanha é utilizar depoimentos reais para que mais pessoas busquem ajuda para a depressão:
At the core of the campaign is the importance of talking about depression as a vital component of recovery. The stigma surrounding mental illness, including depression, remains a barrier to people seeking help throughout the world.No âmbito de dar maior visibilidade à causa da prevenção do suicídio, e por calhar deste trabalho ter acontecido em Setembro, pensei em como o desenho poderia ser uma ferramenta para conectar quem o realiza à necessidade de externar sentimentos depressivos, combater este tipo de carga emocional sem ter de utilizar da linguagem escrita ou falada. Neste ponto o trabalho a ser realizado corrobora a ideia de Jane Blocker (2004) de que a dor tem a capacidade de desintegrar a linguagem:
Talking about depression, whether with a family member, friend or medical professional; in larger groups, for example in schools, the workplace and social settings; or in the public domain, in the news media, blogs or on social media, helps break down this stigma, ultimately leading to more people seeking help. (World Health Organization, 2017b)
For example, when Scarry writes that "physical pain has no voice", what she describes is the subordination of the body to the language. I would argue that it does indeed have a voice, but one that language does not recognize. (Blocker, 2004, p. 36)
A ideia do trabalho a seguir — O caderno amarelo — é utilizar a dor manifestada como parte integrante da estética, sem a intenção de pacificar ou ser condescendente com a condição apresentada. A questão é: como fazer isto, utilizando o desenho? Se este tipo de sentimento puder ser transformado em uma metodologia que integre a mente e o corpo, como sugere Blocker (idem), como fazê-lo de maneira associada ao desenho?
Minha solução para este problema foi utilizar o desenho na situação em que é mais pessoal e íntimo: o caderno de desenho ou diário gráfico. Criei um pequeno livro de desenhos, amarelo, cujos desenhos devem ser realizados por meio de instruções. Utilizo o desenho de instrução como ferramenta de construção ("Desenha um pinguim...") e de acesso a este sentimento de "querer desistir" mencionados pelo CVV e pela OMS — aqui, o desenho é o registro de uma volta para chegar a um assunto. Falar em (desenhar sobre) pinguins não é o mesmo que mencionar a palavra-tabu "depressão", ou pior: suicídio. Mas é uma maneira de levantar a questão. É uma maneira de iniciar o caderno amarelo.
(Página 2 em branco)
No recado da página 8 (relacionado à instrução da página 4: "Desenha um urso polar para cada familiar, amigo ou parceiro que ama você."), tive um cuidado especial — e se a pessoa não se sentisse amada? Isso afetaria o número de ursos que ela desenharia, e o desenho final da página 7... Pois basta um urso polar (FONTE: WIKIPEDIA) para dar cabo aos muitos pinguins que por acaso habitassem a página 3. Decidi que, se meu leitor/participante não possuísse nenhum urso polar com quem pudesse contar, poderia eu mesma assumir esse posto:
Recado que se acessa ao aceder a página tinyurl.com/recadogabi
Um desenho antigo para dizer: você não está só. Quer dizer — estamos todos sós no universo, mas juntos em nossa solidão, e juntos na dificílima tarefa de buscar um significado para tudo. Não desista, eu estou do seu lado. Sempre estive. Sempre estarei. Sou a pessimista irracionalmente crente que tudo deve continuar, apesar de todos os pesares. Se está difícil, chore. Se precisa de ajuda, peça. Se quiser desistir, encaixe sua cabeça no meu colo e se entregue, amanhã é um novo dia.Novamente: não se trata aqui de romantizar o suicídio. De dizer que o amor vencerá etc., até porque esta mensagem é demasiada vaga para quem de fato planeja (ou considera) tirar a própria vida. Mas de instrumentalizar a dor. De transformar sua presença em nossas vidas como uma força motora que, mesmo que persistente, em uma linguagem somática (Blocker, 2014).
Estamos sós, mas estamos juntos em nossa solidão. Meu abraço vai estar contigo.
Por fim, a realização do último desenho, na página 7 (“Desenha o encontro dos teus pinguins (pág. 3) e dos teus ursos polares (pág. 4)”) implica a retomada de desenhos realizados anteriormente no caderno, e na projeção da imaginação de quem realiza o desenho. É algo que, como destaca Altshuler (2001) sobre os poemas de Yoko Ono em Grapefruit, só existe na imaginação do desenhador. É um trabalho de possibilidade, de visualização: a ideia de confrontar a depressão, a visualização de que é necessário combatê-la é a idealização do desenho "Pinguins VS Ursos" da página 7. A mera sugestão de que isso é possível (e a instrução que leva o desenhador a imaginar a situação) é a minha contribuição para o Setembro Amarelo e a minha instrução de desenho para finalizar o Caderno Amarelo.
Bibliografia / Sites consultados
Altshuler, Bruce. “Art by instruction and the Pre-History of do-it”. In: DO IT at e-flux. Disponível em: <projects.e-flux.com/do_it/notes/notes.html>. 1998-2001. Acesso em: Jan. 2017Bismarck, Mario. "Pentimento ou o desenho abs-ceno ou o elogio do erro (2ª parte)". In: Psiax: Estudos e Reflexões sobre Desenho e Imagem. Porto, 2010.
BLOCKER, Jane. What the Body Cost: Desire, History and Performance. Minneapolis: University of Minnesota Press. 2004. p. 32-52.
CVV. Suicídio. Disponível em: <www.cvv.org.br/conheca-mais-suicidio.php>.
IASP (International Association for Suicide Prevention). World Suicide Prevention Day - 10th September 2003 — Suicide can be Prevented. Disponível em: <www.iasp.info>
World Health Organization. World Health Day 2017. Depression. Let’s talk. Campaign essentials. Disponível em: <http://www.who.int/campaigns/world-health-day/2017/toolkit.pdf?ua=1>. Acesso em: Jan. 2017b.
WSPD Australia. About World Suicide Prevention Day. Disponível em: <wspd.org.au/about>. Acesso em Jan. 2017.