27.4.17

o meu coração é esquerdino


O coração, de um modo geral, deslizou para o lado esquerdo, bem no princípio da nossa existência: é esquerdino. Já eu não me lembra de, quando era pequena, considerar a possibilidade de ser esquerdina. 

"Mas o meu coração sempre foi esquerdino."

Nesse sentido mágico corpóreo, tomei consciência do acto de escrever, ao escrever com a mão esquerda e a mão direita de todas as formas possíveis: normal, a 180º, em espelho horizontal e em espelho vertical.

Nesta exposição, foi posta em evidência esta aprendizagem, com performances do coração esquerdino, em conjunto com diferentes exercícios sujeitos à acção do espectador.












cadernos de aprendizagem, grafite s/ papel.



tinta-da-china s/ papel Montval e cartolina.


grafite s/ papel.


tinta têxtil e linha de costura s/ tecido de algodão cru.



 


carvão vegetal s/ papel Academia.




Texto Performado


O meu coração é esquerdino.
Bate de mansinho, mas bem depressa.
Não sabe o que é o vento, a chuva, o Sol ou as estrelas:
não os consegue ver, não os consegue sentir;
mas bate bem depressinha quando eu os vejo.
Delicia-se com o que não vê,
caindo sorrateiramente para o lado esquerdo do meu corpo:
escorrega e escorrega, até parar de se mexer, 
mas nunca de bater.

O meu coração é esquerdino e contraditório.

Diz-se que é preciso ver para crer, tal São Tomé, tal cientista, 
mas eu não vejo o meu coração.
Eu sinto-o bem esquerdo e acredito na sua dança.

O meu coração é esquerdino, contraditório e bailarino.

O meu coração é esquerdino, 
como um dos meus braços,
uma das minhas pernas,
uma das minhas mãos,
um dos meus olhos,
uma das minhas sobrancelhas,
uma das minhas orelhas,
um dos meus joelhos,
um dos meus tornozelos,
mas como dez dos meus dedos.

O meu coração é esquerdino como metade de mim:
metade que é um,
metade que são dez.
É dez em mim,
numa só metade.

O meu coração é esquerdino, dez vezes esquerdino, contraditório e bailarino.

Do lado destro tenho 
um dos meus braços, 
uma das minhas pernas, 
uma das minhas mãos,
um dos meus olhos,
uma das minhas sobrancelhas,
uma das minhas orelhas,
um dos meus joelhos,
um dos meus tornozelos,
mas dez dos meus dedos.

O coração? O coração é esquerdino.

Sente sem sentir,
vê sem ver,
ouve sem ouvir.
Usa a metade de dez que do seu lado persiste,
e usa a metade de dez que em espelho lhe existe.
Dança num centro obtuso de vontade involuntárias,
batimentos singulares de um corpo colectivo.

O meu coração é esquerdino, dez vezes esquerdino, contraditório e bailarino.



cartaz A3, carvão sobre exame cardíaco, com edição digital.




frente do flyer, onde estava presente o texto performado, A5.