5.4.18

Retórica do ato performativo

Veia, substantivo feminino. Vaso sanguíneo; vaso finíssimo através do qual o sangue retorna ao coração movimentando-se no interior do corpo. Por extensão, riacho, rio muito pequeno: veias do mar. Na zoologia: nervura, saliência espessa na asa dos insetos que sustenta sua membrana constitutiva, ou das folhas dos vegetais. Mineralogia: veia da rocha. Depósito mineral de origem hídrica que se forma no enchimento de uma falha, em uma rocha. 
No sentido figurado, vocação, tendência para. 


Procuro na materialização no corpo o sentido figurado, a imagem que concentra minha veia artística. Se ela existe, qual seria? A cava superior ou inferior, porta, pulmonar ou jugular. A veia que levava nove horas de carro para alcançar o mar desde o coração do estado de São Paulo e agora no Porto, já perto do mar, se aproxima dos meus nervos que ficam sensíveis quando faz um dia de sol.  Não sei ao certo quantas possuo, tão pouco sei nomear todas elas. Sei que fazem parte de mim, mas não as vejo. Mal as conheço, só sei que fazem parte de mim. Veias indefinidas, aparecem sutis por baixo da minha pele. Devo crer que existam e que estão a cumprir sua função biológica; as outras metafóricas, sensíveis, figuradas e figurativas, também são questão de crença.


Busco minha veia artística, contudo não sei onde procurar. Traço um mapa, risco possíveis percursos começando pelos pés, subindo pelas pernas onde acabo por me perder em minhas coxas. Pouco vejo na barriga além daquelas que marcam as laterais do meu ventre. Passo pelas mãos, marco-as. Subo pelos pulsos até que elas submergem mais fundo em minha pele escondendo-se de mim.
Tento em vão ver algo que se esconde abaixo da superfície, além de sentir-me limitada pela minha própria anatomia tanto literal quanto figurada. 


















Escrevo o texto com as linhas do meu corpo. Quando as vejo, sublinho com carvão revelando possíveis discursos. O negro do carvão me parece apropriado para representar a matéria que apesar da consciência da fisicalidade  me parece fictícia. Uso do orgânico para representar algo orgânico, do pó compacto ao líquido que corre por dentro da veia, ambos repletos de qualidades poéticas ao serem confrontados neste contexto. Fora do corpo o sangue rubro oxida e torna-se negro. O que antes era vivo vira pó. 


Com o pó marco o que vejo, quando vejo e se o vejo. Vejo pouco, somente aquelas mais superficiais. As risco como se me dissessem algo. Como em um texto onde as palavras são isoladas por espaços brancos que existem para a compreensão do mesmo e a apreciação do vocabulário formado, as linhas negras são interrompidas pelo vazio da pele que oculta sua totalidade, formando palavras. Escrevo no corpo um mapa de busca da minha veia artística, defino-a em uma língua que por hora não consigo traduzir enquanto a mesma se revela sem se revelar por completo. 
Simulo a presença da veia física, transpasso a barreira da pele que insiste em rejeitar aquilo que deposito. Figuro o sentido figurado, emulo minhas saliências procurando novos destinos além do coração, tentando condensar as definições possíveis em um gesto.

Risco minhas veias afim de marcar a veia artística pois sinto a necessidade de materializar a vocação de alguma forma, se é que a tenho ou se  seria esta apenas uma tendência egótica. Penso que essa coincidência estético-semântica poderia ser profícua apesar de ter colhido desta experiência mais questões que respostas. É mais fácil marcar as mãos e os pés que outras partes do corpo, assim como possuo regiões do corpo onde minhas veias ficam latentes por trás da derme, umas mais que outras. Assumir a veia artística é mais fácil que demonstrá-la.


Aqui, nem assumo nem a nego, testo possibilidades.