Veia, substantivo feminino. Vaso sanguíneo; vaso
finíssimo através do qual o sangue retorna ao coração movimentando-se no
interior do corpo. Por extensão, riacho, rio muito pequeno: veias do mar. Na
zoologia: nervura, saliência espessa na asa dos insetos que sustenta sua
membrana constitutiva, ou das folhas dos vegetais. Mineralogia: veia da rocha.
Depósito mineral de origem hídrica que se forma no enchimento de uma falha, em
uma rocha.
No sentido figurado, vocação, tendência para.
Procuro na materialização no corpo o sentido
figurado, a imagem que concentra minha veia artística. Se ela existe, qual
seria? A cava superior ou inferior, porta, pulmonar ou jugular. A veia que levava
nove horas de carro para alcançar o mar desde o coração do estado de São Paulo e
agora no Porto, já perto do mar, se aproxima dos meus nervos que ficam
sensíveis quando faz um dia de sol. Não
sei ao certo quantas possuo, tão pouco sei nomear todas elas. Sei que fazem
parte de mim, mas não as vejo. Mal as conheço, só sei que fazem parte de mim.
Veias indefinidas, aparecem sutis por baixo da minha pele. Devo crer que
existam e que estão a cumprir sua função biológica; as outras metafóricas,
sensíveis, figuradas e figurativas, também são questão de crença.
Busco minha veia artística, contudo não sei onde
procurar. Traço um mapa, risco possíveis percursos começando pelos pés, subindo
pelas pernas onde acabo por me perder em minhas coxas. Pouco vejo na barriga
além daquelas que marcam as laterais do meu ventre. Passo pelas mãos, marco-as.
Subo pelos pulsos até que elas submergem mais fundo em minha pele escondendo-se
de mim.
Tento em vão ver algo que se esconde abaixo da
superfície, além de sentir-me limitada pela minha própria anatomia tanto
literal quanto figurada.
Escrevo o texto com as linhas do meu corpo. Quando as
vejo, sublinho com carvão revelando possíveis discursos. O negro do carvão me
parece apropriado para representar a matéria que apesar da consciência da fisicalidade me parece fictícia. Uso do orgânico para representar algo
orgânico, do pó compacto ao líquido que corre por dentro da veia, ambos
repletos de qualidades poéticas ao serem confrontados neste contexto. Fora do
corpo o sangue rubro oxida e torna-se negro. O que antes era vivo vira pó.
Com o pó marco o que vejo, quando
vejo e se o vejo. Vejo pouco, somente aquelas mais superficiais. As risco como
se me dissessem algo. Como em um texto onde as palavras são isoladas por
espaços brancos que existem para a compreensão do mesmo e a apreciação do
vocabulário formado, as linhas negras são interrompidas pelo vazio da pele que
oculta sua totalidade, formando palavras. Escrevo no corpo um mapa de busca da
minha veia artística, defino-a em uma língua que por hora não consigo traduzir
enquanto a mesma se revela sem se revelar por completo.
Simulo a presença da veia física,
transpasso a barreira da pele que insiste em rejeitar aquilo que deposito. Figuro
o sentido figurado, emulo minhas saliências procurando novos destinos além do
coração, tentando condensar as definições possíveis em um gesto.
Risco minhas veias afim de marcar a
veia artística pois sinto a necessidade de materializar a vocação de alguma
forma, se é que a tenho ou se seria esta
apenas uma tendência egótica. Penso que essa coincidência estético-semântica
poderia ser profícua apesar de ter colhido desta experiência mais
questões que respostas. É mais fácil marcar as mãos e os pés que outras partes
do corpo, assim como possuo regiões do corpo onde minhas veias ficam latentes
por trás da derme, umas mais que outras. Assumir a veia artística é mais fácil
que demonstrá-la.
Aqui, nem assumo nem a nego, testo possibilidades.