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Fronteira Encontro Habitar
A vegetação da margem do Minho é bela,
mas também agressiva.
A relva parece fresca, só que pica,
sendo impossível caminhar pela mesma com os pés descalços. Não se deixe enganar
pela superfície fina da flor branca que cresce em abundância no leito do rio,
esta não é macia como o leito da cama. Abaixo das pequenas flores que nascem
como buquês, seu caule é áspero.
Ao tentar colhe-la, retirá-la do seu
lugar de origem, ela me arranhou.
Olhando o mapa comentava que quando
pequeno, Valença era uma “selva”. Narrava as peripécias de menino e descrevia
onde costumava brincar.
Apontou para a rua à nossa beira que
dizia ele, levar até uma pereira que dava frutos de um quilo e meio, uma
qualidade de pera chamada pera-cabaça.
Minha imaginação corria solta ao pensar
em peras do tamanho de cabaças e percorrendo
com os olhos as paredes e ruas de pedra, tentava ver o que um dia fora Valença.
A
fortaleza estava tomada por fetos. No foço, onde houve um dia água, plantas tão
altas quanto minha cintura ocupam o perímetro. Do verde intenso erguem-se muros
de pedra.
Segui pela ponte de cinco arcos através
do portal duplo da entrada. No canto superior direito do primeiro portal, um
brasão esculpido em pedra.
A primeira coisa que se vê, logo após o segundo
portal, é a praça das armas dominada pela relva alta.
Caminhei até à porta percebendo a
imensidão do espaço abandonado. Recolhi do chão um galho espesso, para servir
de arma caso fosse necessário.
Talvez não seja a defesa mais eficiente, mesmo
assim me traz alguma sensação de segurança.
O lugar poderia ser seguro, mas era
ermo e eu estava sozinha.
Ia lhe fazer mais uma pergunta, mas ele
solicitou que antes me fizesse outras duas, que as faria como um jogo. Diria
uma palavra e eu deveria responder com outra, a primeira que me viesse a mente
e, depois diria outra e eu responderia do mesmo modo, apenas uma palavra.
What is Life?
To live.
What is Love?
To love.
Expliquei que burlei a regra, pois não
conseguia responder com apenas uma palavra, com um substantivo, entendia a vida
e o amor enquanto verbos. Em troca dessas duas perguntas, retribui com duas.
What is life?
Freedom.
What is freedom?
Time.
Depois da experiência na residência
artística, questionei-me se poderia dizer que o que fiz foi a aplicação de um
desenho (no sentido de projeto) enquanto ato performativo e sobre se os
resultados materiais que decorreram daquele período seriam apenas documentos de
uma ação passada, ou se eles teriam a qualidade performativa mencionada por
Auslander.
Enquanto
o fazia, buscava o desautomatismo de Kaprow, não necessariamente com o objetivo
de produzir arte, mas de se estar presente enquanto artista, ou não-artista.
Pergunto-me
se no caso de o ocorrido ser de fato uma performance, se os participantes
(pessoas quais encontrei pelo caminho e que geraram em mim relações de afeto)
deveriam estar cientes do contexto performativo, de serem agentes ativos de uma
peça artística, co-autores em determinados momentos, ou se esta só havia
existido única e exclusivamente para mim, sendo eu a própria autora e espectadora da mesma.
Ainda
não consigo distinguir muito bem a fronteira entre a vida e a arte que ocorreu
naqueles dias, tão pouco se uma ou outra ocorreram de fato. O que fica são
registros dessa experiência: relatos de meu diário, algumas fotografias, um
galho, conchas e uma carapaça recolhidas à beira mar, e um único desenho.
Materiais
produzidos ou recolhidos no local que, após meu regresso foram transformados
para serem exibidos em um novo contexto, talvez na tentativa de dar um corpo a
algo que foi imaterial ocorrido dentro de uma sucessão de segundos, instantes
que por hora foram lampejos de um presente fugaz.
Tentei
agarrar o presente e ele fugiu de mim, o que restou pode ou não comprovar que
algo aconteceu. Acredito que são outras coisas, e espero que possuam essa qualidade
performativa em si, a fim de que quem as olhe, possa vivenciar, de algum modo,
outras experiencias a partir das minhas.
Foi preciso entrar no limite das linhas de um mapa para que este adquirisse uma qualidade tridimensional capaz de comportar uma
série de vivências. Apropriei-me de um desenho que não é meu, tão pouco este
condiz com a realidade, é apenas uma representação. Experimentei-o fisicamente,
testei seus limites e tudo que não poderia ser registrado em uma composição
cartográfica. O que fica não é necessariamente um documento, apesar de
coincidir com a condição de material documental, são vários objetos capazes de
criar relações entre si.
Mesmo que o texto transcreva uma
sucessão de eventos — quase como um documento do ocorrido—, como imagem desenha
as palavras no papel. Quando acessado pelo espectador, o texto cria imagens outras, não registros
documentais, imagens que se desenvolvem na mente a partir de palavras, podendo
ser feito de forma linear e cronológica ou randômica, unindo diversos eventos
em uma história nova.
O desenho parte de uma abstração,
concretiza-se em um ato e ganha outras linhas de maneira ideativa quando
acessado pelo espectador que confronta aquilo que restou da experiência.