20.6.18

Trabalho final: Minho entre meus caminhos


Base Percurso Recolha Abertura Escolha Tempo Fronteira Encontro Habitar


A vegetação da margem do Minho é bela, mas também agressiva.
A relva parece fresca, só que pica, sendo impossível caminhar pela mesma com os pés descalços. Não se deixe enganar pela superfície fina da flor branca que cresce em abundância no leito do rio, esta não é macia como o leito da cama. Abaixo das pequenas flores que nascem como buquês, seu caule é áspero.
Ao tentar colhe-la, retirá-la do seu lugar de origem, ela me arranhou.

Olhando o mapa comentava que quando pequeno, Valença era uma “selva”. Narrava as peripécias de menino e descrevia onde costumava brincar.
Apontou para a rua à nossa beira que dizia ele, levar até uma pereira que dava frutos de um quilo e meio, uma qualidade de pera chamada pera-cabaça.
Minha imaginação corria solta ao pensar em peras do tamanho de cabaças e  percorrendo com os olhos as paredes e ruas de pedra, tentava ver o que um dia fora Valença.

A fortaleza estava tomada por fetos. No foço, onde houve um dia água, plantas tão altas quanto minha cintura ocupam o perímetro. Do verde intenso erguem-se muros de pedra.

Segui pela ponte de cinco arcos através do portal duplo da entrada. No canto superior direito do primeiro portal, um brasão esculpido em pedra.

A primeira coisa que se vê, logo após o segundo portal, é a praça das armas dominada pela relva alta.    

Caminhei até à porta percebendo a imensidão do espaço abandonado. Recolhi do chão um galho espesso, para servir de arma caso fosse necessário.
Talvez não seja a defesa mais eficiente, mesmo assim me traz alguma sensação de segurança. 
O lugar poderia ser seguro, mas era ermo e eu estava sozinha.



Ia lhe fazer mais uma pergunta, mas ele solicitou que antes me fizesse outras duas, que as faria como um jogo. Diria uma palavra e eu deveria responder com outra, a primeira que me viesse a mente e, depois diria outra e eu responderia do mesmo modo, apenas uma palavra.


What is Life?
To live.
What is Love?        
To love.

Expliquei que burlei a regra, pois não conseguia responder com apenas uma palavra, com um substantivo, entendia a vida e o amor enquanto verbos. Em troca dessas duas perguntas, retribui com duas.

What is life?
Freedom.
What is freedom?
Time.

Depois da experiência na residência artística, questionei-me se poderia dizer que o que fiz foi a aplicação de um desenho (no sentido de projeto) enquanto ato performativo e sobre se os resultados materiais que decorreram daquele período seriam apenas documentos de uma ação passada, ou se eles teriam a qualidade performativa mencionada por Auslander.
            Enquanto o fazia, buscava o desautomatismo de Kaprow, não necessariamente com o objetivo de produzir arte, mas de se estar presente enquanto artista, ou não-artista.
            Pergunto-me se no caso de o ocorrido ser de fato uma performance, se os participantes (pessoas quais encontrei pelo caminho e que geraram em mim relações de afeto) deveriam estar cientes do contexto performativo, de serem agentes ativos de uma peça artística, co-autores em determinados momentos, ou se esta só havia existido única e exclusivamente para mim, sendo eu a própria  autora e espectadora da mesma.
            Ainda não consigo distinguir muito bem a fronteira entre a vida e a arte que ocorreu naqueles dias, tão pouco se uma ou outra ocorreram de fato. O que fica são registros dessa experiência: relatos de meu diário, algumas fotografias, um galho, conchas e uma carapaça recolhidas à beira mar, e um único desenho.
            Materiais produzidos ou recolhidos no local que, após meu regresso foram transformados para serem exibidos em um novo contexto, talvez na tentativa de dar um corpo a algo que foi imaterial ocorrido dentro de uma sucessão de segundos, instantes que por hora foram lampejos de um presente fugaz.
            Tentei agarrar o presente e ele fugiu de mim, o que restou pode ou não comprovar que algo aconteceu. Acredito que são outras coisas, e espero que possuam essa qualidade performativa em si, a fim de que quem as olhe, possa vivenciar, de algum modo, outras experiencias a partir das minhas.     
            Foi preciso entrar no limite das linhas de um mapa para que este adquirisse uma qualidade tridimensional capaz de comportar uma série de vivências. Apropriei-me de um desenho que não é meu, tão pouco este condiz com a realidade, é apenas uma representação. Experimentei-o fisicamente, testei seus limites e tudo que não poderia ser registrado em uma composição cartográfica. O que fica não é necessariamente um documento, apesar de coincidir com a condição de material documental, são vários objetos capazes de criar relações entre si.
            Mesmo que o texto transcreva uma sucessão de eventos — quase como um documento do ocorrido—, como imagem desenha as palavras no papel. Quando acessado pelo espectador, o texto cria imagens outras, não registros documentais, imagens que se desenvolvem na mente a partir de palavras, podendo ser feito de forma linear e cronológica ou randômica, unindo diversos eventos em uma história nova.
            O desenho parte de uma abstração, concretiza-se em um ato e ganha outras linhas de maneira ideativa quando acessado pelo espectador que confronta aquilo que restou da experiência.