7.5.19

Desenho, instrução e performance


(1) Ação realizada por Mariana Barrote a partir de uma Carta de Instrução


Pedra

Desenha uma pedra com o teu peso.
Tenta pegar nela.
Se conseguires,
transporta-a até ao último andar de um edifício.
Não uses o elevador.
Dirige-te a uma janela ou algo semelhante e verifica
que ninguém se encontra a passar lá em baixo.
Atira a pedra.
Quanto tempo demora a mesma a chegar ao chão?
Partiu-se?

2019


     


Foi dado à Mariana uma caixa onde contém uma série de referências e informações relativas à trajetória do asteroide Sísifo, desde imagens, dados e rota do mesmo, até desenhos de uma simples pedra. Estas imagens teriam a função não só de contextualizar a instrução, como também de criar uma série de estímulos e até mesmo pistas para guiar a pessoa que iria realizar a instrução. A realização da mesma torna-se em algo quase absurdo, ambíguo e ilógico de se realizar. Ela premeia o pensamento e imaginação do atuante, dá espaço para uma aparente liberdade onde várias interpretações e resultados podem surgir da sua leitura. Como se desenha uma pedra com o próprio peso de uma pessoa? O peso dessa pessoa terá que ficar registado numa folha de papel? A folha de papel terá que representar o corpo do atuante? Como?  Como transportar um desenho que contém o próprio peso do atuante? Como atirar um desenho de uma pedra? Várias questões surgem com as poucas palavras que contêm a instrução e o atuante terá que tomar uma rota por onde a ação irá se desenrolar.
A Mariana tomou uma abordagem bastante peculiar e acabou por subverter as minhas expetativas. Numa folha de tamanho não maior que o A5 ela procede em dirigir-se ao passeio do jardim da faculdade, onde se encontra um rosto na calçada e a realiza uma frottage a carvão. Coloca-se várias questões pertinentes com esta ação inicial. Ela projetou o seu eu, o seu peso através do rosto da calçada? O Rosto humano que se encontra na pedra torna-se numa projeção, num veículo que permite a atuante rever-se na folha de papel marcada com o carvão?  A própria escolha do material torna-se bastante interessante, visto que o carvão é um meio abrasivo bastante volátil e que permite muito facilmente a sua limpeza e apagamento. Numa segunda fase ela procede em amassar a folha de papel, escondendo o desenho e ganhando uma forma que se assemelha a uma pedra. De seguida, o papel amassado é atirado das casas de banho do edifício de Escultura, contando o tempo que o mesmo demora a cair ao chão. A pedra não se partiu. A instrução acaba quando a Mariana recolhe o papel e coloca-o dentro da caixa com as anotações tiradas. A caixa torna-se assim no elemento que dá a instrução, como também dá a apresentar o resultado da mesma.




 


(2) Ação realizada a partir de instruções de Mariana Barrote

desenhar problema que se quer resolver; escolher um local escondido; focar a mente nesse problema e aguardar que passem duas pessoas a conversar; ficar atento ao que dizem pois será a resposta à pergunta; registar; desenhar do lado oposto da folha;  guardar os desenhos escondidos da vista dos outros.




É numa simples folha A4 dobrada que se encontra um pequeno desenho e a instrução a ser realizada. Interpreto a instrução como uma espécie de jogo onde a ideia da ocultação do meu corpo (como se tratasse do jogo das escondidas) cruza-se com a concentração mental que a instrução exige. Mas primeiro é necessário encontrar um problema e desenhá-lo na folha de papel. Este desenho, também ele é oculto, secreto, fora dos olhos da pessoa que escreveu a instrução. Existe um espaço para o íntimo, para o desenho que não se revela e não entra na esfera pública. Só eu tenho acesso a este desenho e ao seu conteúdo. Estando eu vestido com cores terrosas e esverdeadas posiciono-me entre as plantações e vegetações do jardim da faculdade, conseguindo ficar isolado e quase invisível ao olho nu. Existe uma invasão da privacidade, de tentar ouvir e escutar as conversas de outros na esperança que as primeiras palavras que ouço se tornem na solução para o meu suposto problema. Sou quase forçado a entrar num estado absoluto de concentração para tentar ouvir as conversas e pessoas que passam ao longe. Por fim, escuto a solução pretendida, sem saber de onde veio nem que pessoa a proferiu. Registo-a no verso da folha e escondo-a e procedo a enterrá-la no mesmo jardim da faculdade, no local onde realizei uma ação no primeiro workshop, onde enterrei os meus pés e reguei-os com água. Ninguém a pode ver. Permanece oculta, escondida e fora do alcance dos outros.








Desenho como instrução (semana de 29 de abril a 3 de maio)

  (1) O Não-Objeto ou pintar uma cadeira de branco (instrução para Mariana Barrote)





Foi cedido à Mariana um conjunto de desenhos de instrução que consistiam na inutilização de um objeto através da ação de o pintar(apagar?) de branco. A atuante estaria sentada numa cadeira e procederia ao ato de pintar a mesma até que a cadeira/objeto perdesse a sua função e a pessoa fosse obrigada a sair do seu lugar. A tinta branca e fresca não permitiria uma pessoa se sentar e com esta ação surge um resultado ambíguo e absurdo onde a pessoa vai perdendo o seu próprio espaço pessoal. A cadeira perde a sua presença. Foi apagada? Espaço vazio? Não-objeto? Ou até mesmo uma obra artística? São questões que podem surgir na realização desta ação e que pretendem instigar e estimular o pensamento do atuante. A Mariana surpreendeu-me com o seu resultado, achando bastante estimulante e pertinente a sua interpretação da instrução. A documentação ganha um lugar privilegiado na resposta da Mariana, ela trabalha-a para que a ação seja transportada para o espaço documental sem a mesma nunca ter sido realizada fisicamente. A partir da encenação, teatralização e simulação do ato de pintar a cadeira e o seu respetivo registo fotográfico, a Mariana efetua através de programas de computador a adulteração da imagem. A partir de linhas brancas simples e rudes, ela simula a pintura da cadeira sobre a fotografia a preto e branco. A ação foi realizada? Esta pergunta torna-se irrelevante neste contexto. O espetador sabe que as linhas brancas foram realizadas pó-registo, no entanto, a documentação torna-se no veículo onde a ação se corporiza e se afirma. Não se tenta esconder essa adulteração, ela faz parte de um jogo irónico que se estabelece entre a instrução, a ação e a sua documentação. Encontra-se aqui uma série de pontos em comum com o texto de Auslander acerca das várias possibilidades performativas que podem ser abordadas na própria documentação de um ato performativo. A Mariana reage à minha instrução através da negação, porém, ela mantém-se fiel às ideias bases que a regem.

 

(2) Mensagens captadoras de memória



No dia 26 de maio, com a folha de instrução foi-me dado um pequeno papel rasgado com o número da Mariana. Nada mais dizia nesse pequeno pedaço de papel. Este fez-me lembrar a ação típica do quotidiano, de apontar o número de alguém em algum caderno ou folha de papel e desseguida rasgar e guardar no bolso, ou na carteira.
Durante a próxima semana iria receber chamadas ou neste caso mensagens com ordens/instruções para criar uma série de desenhos no momento da leitura dessas mesmas instruções. Realizar esta ação obrigar-me-ia a estar sempre com materiais de desenho, isto é, se eu a seguisse à risca. Achei curioso a possível relação que se poderia obter com a realização aparentemente fiel das instruções enviadas pela Mariana, quase como se tratasse de algo autoritário que me obrigaria a estar constantemente atento ao telemóvel, à espera que algo fosse acontecer, que eu fosse receber as ordens esperadas de forma quase obediente.
As instruções abordavam questões associadas ao íntimo e à memória, onde o desenho torna-se no veículo para transpor objetos e ações do quotidiano como a almofada, as mãos o próprio escuro do quarto ou o desenhar pessoas, ou objetos que me são próximos. O corpo de trabalho pode ser divido em dois, os desenhos que seguiam à risca a instrução que me era enviada, registando direta e fielmente o que me era pedido, de uma forma quase submissa ou desenhos que resultam de  um jogo com as palavras, subvertendo a instrução que me era dada e criando desenhos ambíguos e codificados.
O resultado é uma mancha visual de 13 desenhos/13 instruções realizadas a partir de diferentes suportes e técnicas que expõem uma espécie de autorrepresentação que se assenta na memória.