Transferência de uso de uma acção para os suportes e processos do desenho
O estranho perfeito
(Afagar e arranhar) Sobre uma janela foi colocado papel de cenário de 150x190cm.
Com lápis de grafite colados nos dedos de ambas as mãos aproximei-me do papel e mantive-me tangente ao mesmo, de modo que a breve distância impedia uma visão sobre o mesmo; mimetizei o encontro entre dois corpos amorosos. Imaginados os gestos inerentes ao contacto com o corpo do amante, num primeiro momento de percorrer e tactear. Uma percepção háptica ligada à
memória condensou num corpo comum todos os amantes: pelos diversos riscos e repetições dos 10 lápis a imagem assemelha-se também a ilustrações da estrutura nervosa do corpo humano.
A memória gestual tornou-se coincidente com o desenho, que acabou por ter a configuração
evocativa de uma figura humanizada, a condensação de corpos amados, mas também a sua
ausência.
Redireccionamento de um acto conotado com o desenho
Percursos vitais
(Contornar e circunfluir)
Da memória das mãos da beata Ludovica Albertoni, escultura de Lorenzo Bernini, percorro com os dedos as pregas do lenço sobre o corpo, bem como tacteio o ventre ocultado.
Estes gestos de abandono na palpabilidade das formas possuem afinidades com processos que o
desenho contém quando pelas linhas de contorno procura definir espaços, cartografias. Aqui são
transpostos num movimento que parte das mãos extáticas de Ludovica sobre o ventre, como centro corporal expressivo de paixões. Uma consciência visual do drapeado e do ventre surge pela
percepção háptica, dado que não vejo os movimentos.
Transferência entre duas acções de campos performativos distintos
Transbordo leitoso
(Conter/cuspir / limpar) Dando continuidade à presença do corpo e também à sua evocação, explorei a transferência da acção de conter água na cavidade bucal para depois a cuspir sobre um lençol estendido verticalmente, com a finalidade de o lavar. O lençol foi estrategicamente colocado
contraluz para subtilizar o corpo agora em sombra e realçar as manchas escorridas de água, salientadas com a luz. A expulsão da água sobre o lençol carrega uma conotação erótica e o que se vê é já o resultado dessa acção: manchas tornadas brancas no tecido (lembrando um líquido intrínseco à
fertilidade e dádiva como o sémen ou o leite). Esta transferência acabou por mimetiza processos de
disseminação líquida corrente em enlaces amorosos, terminando por deixar um rastos visual efémero ligado ao desenho.