7.3.19

Transferência de uso | perfeito estranho | percursos vitais | transbordo leitoso

Transferência de uso de uma acção para os suportes e processos do desenho

O estranho perfeito

(Afagar e arranhar) Sobre uma janela foi colocado papel de cenário de 150x190cm. 
Com lápis de grafite colados nos dedos de ambas as mãos aproximei-me do papel e mantive-me tangente ao mesmo, de modo que a breve distância impedia uma visão sobre o mesmo; mimetizei o encontro entre dois corpos amorosos. Imaginados os gestos inerentes ao contacto com o corpo do amante, num primeiro momento de percorrer e tactear. Uma percepção háptica ligada à 
memória condensou num corpo comum todos os amantes: pelos diversos riscos e repetições dos 10 lápis a imagem assemelha-se também a ilustrações da estrutura nervosa do corpo humano.
A memória gestual tornou-se coincidente com o desenho, que acabou por ter configuração
 evocativa de uma figura humanizada, a condensação de corpos amados, mas também a sua 
ausência.



Redireccionamento de um acto conotado com o desenho

Percursos vitais

(Contornar e circunfluir)
Da memória das mãos da beata Ludovica Albertoni, escultura de Lorenzo Bernini, percorro com os dedos as pregas do lenço sobre o corpo, bem como tacteio o ventre ocultado.
Estes gestos de abandono na palpabilidade das formas possuem afinidades com processos que o 
desenho contém quando pelas linhas de contorno procura definir espaços, cartografias. Aqui são
 transpostos num movimento que parte das mãos extáticas de Ludovica sobre o ventre, como centro corporal expressivo de paixões. Uma consciência visual do drapeado e do ventre surge pela 
percepção háptica, dado que não vejo os movimentos.




Transferência entre duas acções de campos performativos distintos


Transbordo leitoso

(Conter/cuspir / limpar) Dando continuidade à presença do corpo e também à sua evocação,   explorei a transferência da acção de conter água na cavidade bucal para depois a cuspir sobre um lençol estendido verticalmente, com a finalidade de o lavar. O lençol foi estrategicamente colocado
contraluz para subtilizar o corpo agora em sombra e realçar as manchas escorridas de água, salientadas com a luz. A expulsão da água sobre o lençol carrega uma conotação erótica e o que se vê é já o resultado dessa acção: manchas tornadas brancas no tecido (lembrando um líquido intrínseco à 
fertilidade e dádiva como o sémen ou o leite). Esta transferência acabou por mimetiza processos de
disseminação líquida corrente em enlaces amorosos, terminando por  deixar um rastos visual efémero  ligado ao desenho.